
A “boa” sociedade brasileira, que é a burguesia ilustrada, a classe de chinelos invisível a olho nu, tenta parecer a “mais legal do mundo”. Luta para não ser criticada ou ao menos para fazer essas críticas serem minimizadas, tendo a mais baixa repercussão possível. Ela precisa ocultar seu passado sombrio de séculos e dar a impressão de que sempre foi generosa, altruísta, moderna e “socialista desde 1500 (?!)”.
Sendo o núcleo duro de apoio ao atual mandato de Lula, a burguesia ilustrada precisa mostrar na aparência que “mudou”. Essa classe do privilégio mudou para permanecer a mesma, parecendo moderna e arrojada por fora, mas profundamente conservadora por dentro.
A fruta não cai longe de árvore. A “boa” sociedade que, “adaptada” aos “novos tempos”, está apoiando de maneira entusiasmada o governo Lula é meritocrática, paternalista, elitista e religiosamente obscurantista. Se diz generosa e parece animada e vibrante nos momentos de diversão e festa, mas é severa e restritiva nas situações mais sérias. Essa classe é a versão brasileira e atualizada do moleiro do conto “O Amigo Dedicado” de Oscar Wilde.
A peculiaridade da elite do bom atraso, no Brasil, é sua intenção de prejudicar o outro e adiar para depois o fim desse malefício. Trata-se de procrastinar algum benefício social, deixando srmpre para depois. Uma demonstração histórica desta atitude foi a escravidão, que já era considerada obsoleta em 1823 mas só foi considerada oficialmente extinta 65 anos depois. E há até hoje casos de trabalho escravo ocorridos ao arrepio das leis.
A procrastinação segue outros âmbitos. Na religião, o Espiritismo brasileiro, que é o Catolicismo medieval redivivo, tem na visão punitivista das expiações um conceito no qual as chamadas “bençãos infinitas” são deixadas para mais tarde, sobretudo na próxima encarnação. É um conceito nocivo, fundamentado na Teologia do Sofrimento, pois a reencarnação não é garantia das mesmas condições sociais e humanas iguais às da encarnação presente.
O Espiritismo brasileiro acredita na tese do “tempo de Deus”, uma falácia que se baseia na ideia dos benefícios que surgem tarde demais como se fossem o “momento oportuno”, depois que o necessitado, de tanto encarar adversidades pesadas, desistiu de querer tal benesse. O “tempo de Deus” é uma farsa que remete ao moralismo punitivo e medieval da Teologia do Sofrimento, e é uma recompensa dada depois que o necessitado atingiu graus extremos de infortúnios.
No radialismo rock, a fórmula da rádio “pop rock” na qual, apesar do rótulo “rádio rock” bem carregado, a partir da 89 FM de São Paulo, apresenta um perfil análogo ao de qualquer rádio pop, a ideia inicial também é procrastinadora, esperando que modismos pudessem fazer as rádios se aproximarem de um estilo “mais roqueiro” com o passar do tempo. Todavia, o progresso seria lento e demorado, movido por tendências mercadológicas e, além do resultado ser medíocre e sem espontaneidade, faria com que aquele adolescente que começou a ouvir essas rádios se tornasse pai de adolescentes quando essas emissoras estivessem algo próximo de um nível mais “decente”.
E quem diria que o presidente Lula tenha aderido à onda procrastinadora, ele que no seu terceiro mandato colocou a festa antes do trabalho. Agora que se aproxima a campanha da reeleição, o petista, que fez pronunciamento anunciando as mudanças na isenção do Imposto de Renda, também espera o “tempo certo” para dar fim à escala 6x1 do trabalho, além de melhorias nas políticas salariais e de preços para os brasileiros.
Lula, que atua como um pelego político, também fez parte do movimento Diretas Já, que também procrastinou, determinando as eleições diretas para ocorrerem não em 1984, mas em 1989. As Diretas Já acabaram se tornando Diretas Pra Depois.
Sempre a mania de deixar o melhor para depois, num país em que os netos das famílias golpistas de 1964 estão mais tolerantes com o esquerdismo que seus avós. Claro que não existe almoço grátis e, se a burguesia ilustrada está apoiando o povo e até se passando por pobre de vez em quando, é porque os movimentos sociais de outrora foram domesticados de certa forma.
E aí vemos o quanto a burguesia determina para as classes populares sempre “aguentarem a barra” até não se sabe quando, até que o benefício venha num momento tardio. O benefício, quando chega, até traz alívio e alegria, mas seus beneficiados quase sempre recebem cansados e abatidos.
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