
Os nerds do passado perderam a nomenclatura que os definia, pois o termo “nerd” passou a ser usado para qualquer fanfarrão que curta quadrinhos, jogos eletrônicos (games, em portinglês) e seriados de TV. Até os valentões da escola, que humilhavam os antigos nerds a ponto de carregá-los para jogar na lata de lixo, hoje se autoproclamam “nerds”, bastando caprichar na linguagem aloprada e no humor grosseiro nas redes sociais.
Até pouco tempo atrás, os antigos nerds, que não podiam ser mais nerds porque seus algozes se apropriavam do rótulo, viam num novo termo, “incel”, uma denominação alternativa diante da banalização do antigo nome. Hoje o termo “nerd” se volta mais para o rapagão boa vida e bem casado que tem preguiça de fazer a barba e de fazer dieta e exagera na comilança com cerveja.
Mas aí o termo “incel” passou a ser associado a um neo-machismo de extrema-direita, criando atribuições negativas ao rapaz não atrativo que tem dificuldades para conquistar as mulheres. Reforçado por preconceitos, o “celibatário involuntário” acaba ganhando um estereótipo ressentido e vingativo, em princípio fora da realidade.
O termo "incel", da expressão involuntary celibate (traduzida como "celibatário involuntário"), está sendo colocado em debate devido ao sucesso do seriado britânico - apesar da co-produção do ator estadunidense Brad Pitt - Adolescência (Adolescence), no ar no canal de streaming Netflix.
Só que, independente das abordagens que o seriado, que pode ter uma segunda temporada, oferece, a questão do jovem ou do adulto com dificuldades para arrumar namoradas passa a ser alvo de distorções e juízos de valor, e nas redes sociais mesmo a temática adolescente acaba caindo no colo de adultos solteirões que moram com os pais e que pagam sozinhos pelo machismo violento de homens bem mais convencionais e privilegiados que agridem e/ou matam suas mulheres.
A sociedade não para para pensar ao demonizar rapazes que, na plena vida adulta, ainda moram com os pais e vivem uma vida solitária em termos de vida amorosa. Veem nesses rapazes que preferem bebida láctea a cerveja supostas fontes de terrorismo. O preconceito é tão grande que, de repente, surge até o estereótipo do rapaz que não consegue arrumar uma namorada, mas, de repente, é visto agredindo uma. Sim, uma "namorada" surgida do nada, só para entender o preconceito contra rapazes carentes.
Isso é surreal e altamente discriminatório e fora da realidade, pois a maioria dos homens violentos, em grande parte autores de feminicídios, fazem o tipo “piadista da boate”. Não se está dizendo que todo homem frequentador de boate é violento, mas todo homem violento é frequentador de boate, o machista vê na vida noturna a sua consagração e, pasmem, o seu habitat natural e seu campo de caça.
Da mesma forma, o homem violento não conquista uma mulher fazendo ameaças ou puxando pelo cabelo, mas usando de senso de humor e jogo de cintura para atrair a fêmea. O machista violento sabe conquistar uma mulher e iniciar uma relação, só não sabe como encerrar. E é a rotina que faz com que ele se torne violento com sua parceira.
Mas os interesses comerciais da elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, querem fazer das boates ambientes de fraternidade quando a realidade dura mostra que na vida noturna é que há pessoas traiçoeiras e potencialmente violentas. Na noite, todos os gatos são pardos, mas há muita coisa sombria por trás daquele festival de sorrisos e curtição.
A Faria Lima chama isso de “balada”, mas balada mesmo é o melancólico sucesso de 1958, temperado por violinos chorosos e sob a belíssima voz e dramática interpretação de Agostinho dos Santos, a sombria canção “Balada Triste” a assombrar os noctívagos atuais depois do badalar da meia-noite.
Enquanto isso, o pacato rapaz que cuida da mãe doente e no sábado à noite lancha biscoitos com bebida láctea leva fama de psicopata enquanto os verdadeiros agressores de mulheres estão escondidos sob as máscaras dos simpáticos piadistas das boates.
Mais uma vez, os rapazes pacatos que têm dificuldade para conquistas amorosas ficam sem denominação. Não podiam mais serem nerds, porque qualquer valentão farrista agora pode ser nerd. Agora eles não podem ser incels porque incel virou sinônimo de machista mirim. Dessa forma, esses jovens excluídos vão preparando seus lanches das noites de sábado sem poder ser coisa alguma. O jeito é ver um desenho animado para se distrair enquanto se é um “ninguém na multidão“.
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