
As ondas de demissões no Jornalismo (profissão lembrada no dia de hoje) mostram uma realidade muito pior do que parece, pois perdemos aos poucos a vida inteligente na nossa imprensa. E mesmo as eventuais “ajudas” acidentais do destino, que em parte matam jornalistas competentes - e isso num contexto em que o feminicida e no passado jornalista conservador Pimenta Neves, mesmo gravemente doente e em idade de óbito (ele nasceu em 1937), não está oficialmente morto - , só agravam a situação.
Há poucos dias, faleceu, por complicações de uma cirurgia, a jornalista baiana Wanda Chase, da TV Bahia. Negra como Gloria Maria e ativista dos movimentos afrobaianos, Wanda era uma jornalista muito boa, como pude ver quando minha família via os telejornais da TV Bahia, quando eu morava em Salvador.
Aliás, apesar do perfil ideológico vinculado a Antônio Carlos Magalhães, a TV Bahia tem um bom jornalismo. Pessoalmente, apesar de ser de esquerda, eu preferia mil vezes ter trabalhado na TV Bahia do que estar no circo da visibilidade plena da Rádio Metrópole. Via mais sobriedade no jornalismo da TV Bahia, em detrimento do showrnalismo bonapartista da rádio de Mário Kertèsz.
A crise do nosso jornalismo envolve vários fatores: o fenômeno das notícias falsas (fake news), o opinionismo voraz, a invasão de comediantes e influenciadores no meio jornalístico, sem ter competência para isso, e a demissão de jornalistas experientes.
Este caso revela não somente a ganância da mídia empresarial, que, para economizar dinheiro em nome da fortuna de seus donos, demitem gente talentosa e bem paga para substituir por novatos que aceitam salários menores revela algo extremamente grave.
Afinal, a ideia é substituir pessoas com uma visão de mundo mais abrangente e uma abordagem mais realista e honesta por verdadeiros “paus mandados”, ou seja, gente que escreve, fala e se informa razoavelmente, mas é dotada de uma visão acrílica e subserviente diante das narrativas que prevalecem no nosso país.
São jornalistas mais de acordo com as imposições do mercado, mais aptas para justificar visões dominantes do que contestá-las, mesmo usando um discurso cuja produção de sentido é convincente e verossímil. São pessoas que tratam a notícia como mercadoria e a desenvolvem nos limites sociais autorizados pelo mercado.
A compreensão da realidade já teve prejuízos sérios com o AI-5 que estabeleceu critérios restritivos de produção de notícias. Mentiras e meias-verdades institucionalizadas durante a Era Geisel até hoje ganham reputação de “verdades indiscutíveis” por conta de uma narrativa compartilhável, organizada e pretensamente imparcial. E não estamos falando dos falsos heróis da hoje desmoralizada Operação Lava-Jato - que fez os serviços de lavagem de automóveis evitar o apelido que inspirou o nome, agora somente usando “lava-rápido” - , mas também a glorificação de charlatães religiosos como os chamados “médiuns” e sua filantropia de fachada.
A orientação da nossa imprensa ainda segue a linha hegemônica da Folha de São Paulo, Isto É, Globo, Band, Veja, Estadão e até o Sensacionalismo de um Brasil Urgente ou Balanço Geral se tornaram formadores de opinião. Ou deformadores, sem ironia. Pois há muitos valores que poderiam ter sido confinados nos tempos do presidente Geisel que se vendem como “atemporais” e “universais” e isso é assustador. O fanatismo religioso e futebolístico de hoje ainda remetem a um Brasil de 55 anos atrás.
As demissões em massa do Jornalismo, conhecidas pelo nome de “passaralho” em comparação à revoada de pássaros para fora de seu habitat, refletem a “higienização” da imprensa em prol de um formato asséptico, insosso, acrítico e que reforça mais o caráter da notícia como um produto e uma mercadoria, mas não como um serviço social.
Cada vez mais deixamos de ter a atuação constante de profissionais com experiência de vida, visão de mundo e honestidade profissional. E parte dos veteranos acaba se tornando tendenciosa, como se vê nas duas trincheiras da polarização política brasileira, como os extremo-direitistas que escrevem colunas no Correio do Povo, de Porto Alegre, e a centro-esquerda que escreve no Brasil 247, hoje convertido no fã-clube informal do presidente Lula.
A sociedade brasileira perde com um jornalismo cada vez mais asséptico, burocrático, cartorial e acrítico, que "informa" apenas operando pelo piloto automático, garantindo o sono tranquilo de chefes de redação que, pelas pressões mercadológicas e empresariais, não parecem dispostos a cumprir a verdadeira missão social do jornalista. Se isso é prestação de serviço, isso acabou se tornando imprestável.
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