A BURGUESIA ENRUSTIDA, QUE SE ACHA "MAIS POVO QUE O POVO", TRATA A POBREZA COMO "IDENTIDADE" E NÃO PROBLEMA. NA FOTO, MISERÁVEIS SUCUMBINDO AO VÍCIO DO CRACK, NA CRACOLÂNDIA, NO CENTRO DE SÃO PAULO.
O falecimento, ontem, do Papa Francisco, ocorre num contexto em que o Brasil vive uma pandemia do egoísmo, onde o altruísmo, salvo honrosas exceções, ocorre nos limites tendenciosos da promoção pessoal, do bom mocismo e da lacração nas redes sociais.
O altruísmo no Brasil foi "privatizado" pela religiosidade. É certo que, num país beato que é o Brasil, a religiosidade é tão carregada que devemos ser seletivos quanto a instituições religiosas que valem a pena. Na natureza, não se dá saltos e, por isso, seria recomendável evitar religiões obscurantistas e que são até invasivas em áreas de entretenimento não-religioso, como as seitas neopentecostais e o Espiritismo brasileiro, ambas patrocinadas pela ditadura militar para combater a Teologia da Libertação.
A fé religiosa é ainda uma tradição muito arraigada nas pessoas. Tudo bem. Se as pessoas se sentem bem assim, cabe respeitar e só se pede para evitar as armadilhas neopentecostais e "espíritas" (neste caso, é uma religião bastante azarenta) e partir para religiões como o Catolicismo, crenças evangélicas como a Igreja Batista, a Igreja Adventista e vertentes mais antigas da Assembleia de Deus, e outras crenças como o Islamismo, as religiões orientais (como a Seicho-No-Iê) e as religiões de origem africana.
Mas, independente disso, a questão do altruísmo traz problemas por essa virtude ser um subproduto da religião. Em outras palavras, as pessoas não ajudam o próximo por vontade própria, mas por imposição de uma religião. E falamos justamente da classe mais influente nas redes sociais, a burguesia ilustrada, que domina as narrativas e o sistema de valores que vemos no Instagram, Tik Tok e Facebook, mesmo expressos por gente aparentemente pobre.
A própria burguesia enrustida brasileira, que se acha "mais povo que o povo", é naturalmente egoísta, embora tire onda de ser a "classe mais legal do mundo". Sua noção de "amor ao próximo" é muito menos solidária do que se diz e se limita a ações paternalistas que não ajudam o pobre a sair da miséria, mas a suportar essa situação degradante.
Ultimamente, a burguesia ilustrada tenta parecer "invisível" como classe, agora que apoia de maneira incondicional o atual mandato de Lula. Tenta se passar por "gente simples" e pega carona na retórica "democrática" do presidente Lula, alegando que hoje "são novos tempos".
Mas essa burguesia ilustrada, que joga comida fora, ouve música popularesca e continua com sua ganância financeira em dia, vê a pobreza como "identidade", um discurso que passou a ser adotado desde os anos 2000. A favela como "habitat natural" dos pobres, a pobreza como "modelo de vida", tudo isso demonstra a hipocrisia da burguesia de chinelos, ela mesma que se autoproclama "pobre" porque fala português errado, mas mesmo assim secretamente vive sua vida opulenta e cheia de privilégios.
Por isso, fica complicado ser altruísta no Brasil. A generosidade humana, embora seja mais propagandeada nas redes sociais, é uma raridade no nosso país. Há gente generosa, mas essas pessoas são mais exceção do que regra. Mas exceção, no Brasil, é como uma pequena van com pretensões de ter a ocupação de um trem-bala longo e superlotado. Toda exceção quer ser vista como regra, sem sê-la de fato.
Daí vemos a sina da Cracolândia, em São Paulo, com pessoas sofrendo e cuja única ajuda que recebem é receber marmitas nas horas das refeições. A institucionalização da pobreza derruba a máscara de caridade da "boa" sociedade que manipula a opinião pública que mais parece uma opinião que se publica.
E aí vemos tanta comoção em torno do falecimento de um pontífice que viveu distante, no círculo do poder político-religioso do Vaticano. É muito sentimentalismo e pouca ação, e vemos o quanto a "boa" sociedade despeja milhões de frases sobre "amor ao próximo" e "ajuda aos excluídos", mas nada de ações concretas, de solidariedade de fato.
Daí que é difícil não se lembrar do conto O Amigo Dedicado (The Devoted Friend), de Oscar Wilde, que em pleno Século 19 falava de coisas que ocorrem no Brasil de hoje. A hipocrisia do moleiro e suas palavras dóceis e meigas que mascaram seu elitismo cruel falam muito das elites "democráticas" de hoje, que falam demais sobre bons valores e boas ações, mas não se encorajam a fazer ações concretas, exceto nos limites do mero paternalismo. E se até Lula age menos e fala demais, quanto mais a burguesia de chinelos que tanto apoia o presidente. Vá entender essa burguesia.
Comentários
Postar um comentário