Uma dançarina de um famoso grupo de "pagodão baiano" se separou de forma estranha.
Quando ela completou 40 anos, ela e seu marido, um ex-atleta, com quem tem uma filha, realizaram uma viagem de segunda lua-de-mel.
Cerca de um mês depois, a dançarina anunciou sua separação. E parecia "empolgada" com a nova fase de sua vida.
Uma possível explicação pode ser feita montando peças soltas do quebra-cabeça.
Afinal, dois cantores do grupo de "pagodão baiano" haviam falado da intenção de reunir os integrantes que atuaram no auge do grupo.
Bingo! A dançarina teria se separado por motivos profissionais.
Fora do âmbito popularesco, nas classes mais cultas, há relações conjugais que estão sob um fio e no entanto também dificilmente resultam em separação.
Há muitos aspectos duvidosos envolvendo solteirice ou casamento no show business.
Mas, no Brasil, tais relações têm um ingrediente muito estranho.
Elas ocorrem num contexto de "higienização" social e "eugenia" bastante sutis.
No âmbito popularesco, estimula-se a solteirice das famosas, porque elas são referência para moças pobres às quais o "sistema" não quer que se tornem mães.
A ideia é evitar que novas gerações de pessoas mestiças, de ascendência negra e índia, surjam.
Por isso é que há uma trabalheira do mercado "popular demais" em arrumar solteiras, com tantas famosas do gênero querendo se casar ou terem namorados.
A própria dançarina de "pagodão", citada no começo do texto, tem fama de namoradeira e não é de ficar encalhada ou curtir a vida sozinha.
Aí ela mudou de residência, foi morar com a filha, e foi "curtir a vida", sumindo da mídia. Sua colega de dança no grupo de "pagodão" até manfestou torcida para a volta ao ex-marido.
Mas não. É preciso criar um "exército de solteiras" para evitar que moças pobres encontrem modelos de vida de casada. Elas têm que ficar solteiras e ficar brincando de namorar com afilhados.
Nas classes abastadas, não. Estimula-se o casamento. It girls até se tornam o inverso das dançarinas de "pagode" ou funqueiras. São casadas, mas vivem vidas de solteiras.
O casamento é preservado sob a desculpa da privacidade, mas é declarado e oficializado, do contrário das musas "populares demais".
A it girl circula sozinha, fala apenas formalidades a respeito do marido, faz elogios a ele por educação nas redes sociais, a "cumplicidade" é artificial.
O marido é um empresário ou algúem com algum cargo de liderança ou autonomia profissional (profissão liberal ou executiva). Alguém gentil, porém muito sério para se ocupar demais com o acúmulo de dinheiro.
Nas famílias padrão das simbologias popularesca e abastada, há um contraste surreal.em suas relações.
Na família popularesca, de classe média, que serve de modelo para as famílias pobres e mestiças das periferias, é um casal feliz e bem relacionado com os filhos que é forçado a se separar.
Na família abastada, chique ou culta, a figura é de um marido e mulher, indiferentes entre si, mas mantendo um jogo de aparências - o estereótipo do "comercial de margarina" - , se comportam como dois amiguinhos cuidando de crianças, os seus filhos.
A dançarina de "pagode" ou a funqueira é convidada a se desfazer de seu casamento feliz. A it girl, e jornalista intelectualizada, a apresentadora de mente vanguardista, a modelo culta, a atriz atrativa, são aconselhadas a dar continuidade a casamentos que estão por um fio.
E por que isso acontece?
Porque há um sentido tanto sociológico quanto biológico e populacional.
Sociológico, porque visa, nas classes pobres, desestimular a união conjugal e, daí, refletir no macro cosmo para a solidariedade popular, dificultando as manifestações e rebeliões populares. Nas classes abastadas, a solidariedade é estimulada para dar exemplo a mobilizações de caráter mais elitista.
Biológico, porque se procura reduzir as populações de pessoas negras, indígenas e mestiças, com a ênfase na solteirice das moças pobres, simbolizada pelas musas "populares demais", enquanto, nas populações abastadas, se estimula a estável formação de pessoas de aparência eurocêntrica.
Populacional, porque visa reduzir as populações pobres e promover ao mesmo tempo um controle de natalidade e um embranquecimento das sociedades.
Há também a depreciação da imagem da solteira, feita para trazer pavor às moças cultas e orgulho às moças de formação cultural medíocre.
A solteira é associada a um pretenso hedonismo sócio-cultural: é a que ouve música de gosto duvidoso, se preocupa demais com o corpo (usando silicones, piercings, tatuagens ou sobrecarregando na ginástica e na plástica) e não se preocupa com o aprimoramento intelectual.
Temos até uma mulher-objeto assumida, a Mulher Melão, espécie de "Jair Bolsonaro" do feminismo.
Isso horroriza as it girls, cultas, vanguardistas e afins. Elas correm para ter um marido, um semi-engravatado que agora usa roupas casuais, mas mantém a "seriedade" de amigos do acúmulo financeiro.
Não querem ser uma "desocupada" que só vai para noitadas ou vive de mostrar o corpo. A imagem de solteira torna-se, assim, bastante pejorativa.
Lógico que isso amenizou um pouco. Há atrizes intelectualizadas que já ficam mais solteiras, e musas popularescas que namoram firme e se casam. A manobra pegou pesado demais, ela continua existindo, mas tornou-se mais rara.
Também, um cenário político conservador já não precisa cutucar tão explicitamente a cultura popular como havia nos governos petistas.
Mas a eugenia continua e a dançarina namoradeira e depois bem-casada está curtindo sua vida de "solteirona profissional".
Tudo para "ensinar" as moças pobres que elas têm que ficar sozinhas e sem filhos até o fim da vida.
As pobres é que brinquem de namoro com seus afilhados. Enquanto as it girls brincam de solteirice enquanto seus maridos estão ocupados em seus negócios.
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