Na entrevista de ontem no Jornal Nacional, o presidente eleito Jair Bolsonaro fez ataques à Folha de São Paulo.
Embora dissesse que "apoia" a liberdade de imprensa, embora afirmasse que "não quer o fim da Folha", ele fez ameaças ao prometer que poderá não dar verbas públicas para o periódico paulista, considerado o maior do Brasil.
Vivemos num outro contexto.
Sem dúvida alguma, a Folha de São Paulo tem um histórico lamentável.
Apoiou a ditadura militar a ponto de fornecer seus veículos para transportar presos políticos para a Operação Bandeirantes (Oban), depois DOI-CODI.
Fez um apoio tendencioso à campanha de redemocratização do país, só para obter protagonismo. Fez isso ao lado de outros grupos midiáticos, como Bandeirantes e Isto É, criando o mito da "imprensa boazinha", conservadora, mas "profissional".
Criou um projeto ao mesmo tempo yuppie e neoliberal, o Projeto Folha, que expulsou veteranos esquerdistas do quadro de jornalistas.
Treinou e adestrou um Pedro Alexandre Sanches, oferecido como um cavalo de Troia para a imprensa de esquerda, inserindo nela uma abordagem mercantilista da cultura popular, disfarçada de "ativismo identitário-comportamental".
Através do "filho da Folha", Sanches induziu a mídia esquerdista a cultuar astros musicais "populares demais" que, depois, se revelaram em grande maioria bolsonaristas.
A Folha de São Paulo também fez de São Paulo um feudo do PSDB. E contribuiu para a mitificação de Sérgio Moro, o artífice primário do golpe político de 2016.
Sim, são tantos pecados, tantos erros, mas isso não significa que a Folha deva desaparecer e morrer junto com seu empresário, Otávio Frias Filho.
A mídia conservadora é criticável, mas sempre foi legítimo seu espaço de atuação. Não mexíamos nele.
A Globo também é criticável por mil aspectos, mas seu espaço de atuação é legítimo.
E hoje o contexto mudou. De repente, até a centro-direita pode ser uma aliada potencial das forças progressistas.
Afinal, o outro lado só tem extremistas de direita, apoiados por famosos decadentes ou de segundo escalão (mesmo os talentosos e em evidência, mas não conseguem repercutir como de primeira), alimentados por páginas obscuras de notícias falsas.
Temos a mídia profissional de centro-direita e a mídia alternativa progressista. Agora, esses dois planos, opostos e rivais, se unem pela ascensão de outros e novos rivais.
Pior: antigos supostos aliados (embora nunca fossem, de fato) das esquerdas, como músicos "sertanejos", funqueiros e até a religião "espírita" (a corrente que cultua o "médium de peruca" e seus séquitos), sinalizaram, de maneira explícita ou sutil, apoio a Jair Bolsonaro.
Temos que reinventar nossas alianças, e, de repente, até o apoio de um Fernando Henrique Cardoso ou de um Geraldo Alckmin tornam-se bem vindos às forças progressistas.
Talvez ocorram mudanças, desembarques às avessas, embora até isso possa ser acolhido, ao mesmo tempo, com cautela e tolerância.
Teremos um cenário muito diferente à nossa frente e a ideia é não perder a cabeça.
Não podemos ser como Márcio Moreira Alves, que perdeu a cabeça num momento em que o Brasil mais precisava de redemocratização, há 50 anos.
Não podemos montar a Vanguarda Popular Revolucionária, e tomar cuidado com os Cabo Anselmos que, por motivos estranhos, parecem "sempre fiéis e eternos amigos das forças progressistas".
Por outro lado, teremos que perguntar se há um problema de um Ulysses Guimarães, oriundo do antigo PSD de Juscelino Kubitschek, ser aliado dos movimentos progressistas.
O momento é de cautela, prudência, união. Poderemos ser uma oposição bem-sucedida se agirmos com tais habilidades.
Talvez tenhamos que deixar de lado simbologias como o Partido dos Trabalhadores, a pessoa de Lula, ou esquecermos momentaneamente Paulo Freire.
Isso porque teremos que fazer prevalecer bandeiras e pessoas que não despertem a pronta reação rancorosa dos bolsonaristas.
Não podemos pensar em protagonismos fáceis, em vanguardismos, em ideologismos, e buscar um equilíbrio em ver potenciais aliados em pessoas conservadoras, mas sem acolher oportunistas em busca de protagonismo às custas das esquerdas.
A ideia é de reagirmos com calma e deixarmos o nervosismo para os bolsonaristas. Eles é que façam incêndio em si mesmos com seus pavios curtos.
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