ESCRITÓRIO: FÁBRICAS DE "VERDADES"?
Vivemos a supremacia dos escritórios, numa “democracia” protocolar e cartorial. Com muita sutileza, as elites empresariais, midiáticas, acadêmicas, institucionais e tecnocratas estão conduzindo, desde 1974, as vontades, desejos e interesses relacionados à vida da população e, também, as formas de ver a realidade e até o que deve ser curtido e consumido dirante uma temporada.
A herança dos anos Temer para o período Lula 3.0, e que faz o petista atribuir a herança golpista apenas a Jair Bolsonaro, é a volta da hierarquia empresarial e institucional que, na prática, reduz a democracia a uma perspectiva de cúpula, que recupera os velhos conceitos da chamada democracia burguesa. É uma “democracia” dos supostos representantes do povo, o que já diminui a carga política, que fica nas mãos de uns poucos privilegiados que se autoproclamam “desejar o melhor a todo o povo brasileiro, em especial o povo pobre”.
Essa elite, cujo “epicentro” são as empresas localizadas na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, é uma forma “evoluída” das elites que criaram o IPES-IBAD para pedir o fim do governo João Goulart. Hoje não há necessidade de derrubar um político progressista, quando se pode domesticá-lo e fazê-lo atender aos interesses das classes dominantes.
Daí o atual mandato de Lula, que pouco fez de realmente transformador para as classes populares, preferindo a consagração pessoal que se acentua na agenda da política externa. E aí vemos o complexo de superioridade de uma elite de predestinados que só quer a “democracia” para eles, e quem não entrar no esquema que seja cancelado nas redes sociais.
E assim que temos os negacionistas factuais que determinam a “verdade” que eles querem que seja consensual, temos também técnicos e ideólogos a moldar a realidade e as narrativas em torno dela que atendem a seus interesses de classe, dentro de um nível supostamente equilibrado que mais parece um repertório em que a verdade disputa espaço com as meias-verdades e com mentiras supostamente inofensivas.
Pouco importa se os dados oficiais desafiam a lógica. Se eles são oficiais, ou seja, compartilhados por muitos a partir da transmissão por fontes marcadas de muito prestígio e poder, vale como se fosse "verdade indiscutível". Se argumentos consistentes são feitos por fontes aparentemente sem muito prestígio, seu nível de repercussão é baixo e não derruba a narrativa dominante.
Os mitos de "cidade mulher" de Salvador e de "cidade barata" de Uberaba são exemplos. Há uma Bahia inteira de homens morando em Salvador por conta de situações precárias no interior baoano, mas fica "feio" constatar isso, quebrando a sonhadora combinação de paisagem tropical e beleza feminina, acrescidos de elementos politicamente corretos do identitarismo cultural, ou ideologia woke.
E Uberaba? A cidade mineira explora uma das economias mais caras do país, a criação de gado zebu. Alguém, em sã consciência, iria achar mesmo que a cidade seria a quarta cidade mais barata de todo o Brasil, quando é fácil fabricar uma reputação destas forjando uma série de promoções no comércio no momento em que pesquisadores estatísticos visitam o município? E isso quando não dá para esconder as passagens de ônibus caras em Uberaba e os apartamentos "abaixo do preço de mercado", pequenos studios com o dobro do preço de similares na Zona Sul de São Paulo!
Tudo isso é conversa para bois dormirem, incluindo buffalos zebu e, também, para boys dormirem, para quem entende portinglês e acredita que vai ser perseguido por mulheres sensuais descontroladas nas ruas da capital baiana.
Escritórios e gabinetes não são fábricas de verdades necessariamente e, muitas vezes, podem ser fábricas de mentiras. Em nome de interesses estratégicos, se criam dados oficiais que valem porque contam uma boa estória, com narrativa positiva e agradável. Neste caso, brigar com os fatos tranquiliza muita gente, e num Brasil infantilizado e sonhador, isso acaba ficando, infelizmente, bastante eficaz.
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