Falecida no começo da semana passada com 76 anos incompletos, a cantora, compositora e pianista Ângela Ro Ro viveu seus derradeiros dias com sérios problemas financeiros, dependendo de uma "vaquinha" para tratar de uma grave doença.
Com carreira iniciada nos anos 1970, Ângela era o terror dos machistas, por ter aniversário do mesmo 05 de dezembro do finado pleibói e feminicida Doca Street e xará da vítima deste, Ângela Diniz (e lésbica, como foi a "Pantera de Minas Gerais"), Ângela Ro Ro, com sua sonoridade influenciada no blues e na MPB carioca em geral, fazia parte dos "malditos" da MPB que marcaram a década setentista.
Essa ala da MPB foi poupada da artilharia da intelectualidade "bacana" do "combate ao preconceito", que geralmente glorifica a bregalização e que precisou do underground emepebista como trampolim para essa mistura do trigo da MPB com o joio do brega de cerca de 50 anos atrás.
Ângela Ro Ro foi mais um nome da MPB autêntica a encerrar sua vida na pobreza, num histórico que, em outros tempos, incluiu Lúcio Alves e João Gilberto, dois dos supostos "aristocratas" da Bossa Nova, geralmente acusada pela sarcástica intelligentzia pró-brega de ser "burguesa demais". Recentemente, Ivan Lins também alegou ter sofrido problemas financeiros, o que fez com que ele fizesse até análise com um terapeuta, depois de sofrer depressão.
Em contrapartida, o que se vê na música brega-popularesca, tão associada à "cultura do povo pobre", sendo que mesmo o "mais aristocrático" gênero "sertanejo" está associado ao "homem do campo", são os ídolos ficando mais ricos. São os "sertanejos" com seus latifúndios, os "pagodeiros" com suas mansões, os funqueiros e MCs do trap também com mansões, iates, aviões e carros importados, um monte de gente "popular demais" cheia da grana.
Isso derruba de vez a tese de "cultura das periferias e sertões" que o discurso do "combate ao preconceito" da bregalização cultural tanto divulgou, de maneira bastante festejada pela comunidade lacradora da sociedade do espetáculo à brasileira (aquela que não se considera "sociedade do espetáculo"), de que o tal "popular demais" era a "humildade em forma de cultura".
Ângela Ro Ro faleceu no momento em que o crooner breganejo Daniel, que nunca teve um repertório autoral ou quase autoral (como canções inéditas enviadas por outros autores), ganhou um programa especial na TV Cultura, que não deveria abrir espaço para nomes popularescos, que já possuem espaço demais nas emissoras de TV convencionais.
Daniel, que é uma celebridade rica, se encaixa mais nos padrões dos antigos cantores galãs do brega que apareciam nas competições do Qual é a Música, quadro do Programa Sílvio Santos. Embora as pessoas tenham direito de curtir o cantor, não há como levá-lo artisticamente a sério, pois Daniel é um cantor comercial, de perfil brega romântico, que não pode ocupar o lugar de quem realmente faz MPB e que tem dificuldades de encontrar espaço para divulgação.
Não há como admitir que nomes como Michael Sullivan, Daniel, É O Tchan, Chitãozinho & Xororó etc invadam os espaços da MPB quando eles já têm espaços demais de divulgação. O emepebista emergente é que precisa de mais espaços, porque quem faz música de qualidade têm dificuldade de divulgar seu trabalho, enquanto os ídolos brega-popularescos, até pela sua opulenta estrutura empresarial que lhes cerca, é que são donos do pedaço e já possuem espaços demais para mostrarem seus trabalhos.
É triste ver que a nossa MPB autêntica está desaparecendo aos poucos, com nomes como Milton Nascimento e Ivan Lins sendo subestimados, com nossos mestres ficando idosos ou morrendo ou nomes como João Gilberto e Ângela Ro Ro falecendo pobres, enquanto a renovação real da música brasileira, se existe, não encontra espaços para obter um mínimo de visibilidade, tocando apenas para pequenas bolhas que, isoladamente, acham que a cultura brasileira "vai bem" porque a sua turma já dá o devido apoio.
A MPB está sendo substituída por um pop "provocativo" que hoje ganha o rótulo de "nova MPB" e não representa alternativa real ao som popularesco que invade todos os espaços e faz com que os ouvidos dos brasileiros se acostumem mal com essa mediocridade sonora que faz sucesso fácil e força até a memória afetiva de muitos a glorificarem esse som "popular demais".
E isso acaba degradando ainda mais a nossa cultura musical do passado recente, do presente e do futuro, fazendo com que os que realmente fazem trabalho musicais consistentes percam espaços de divulgação e acabem não tendo como sobreviver, enquanto os ídolos popularescos acumulam dinheiro e invadem os espaços dos outros para reforçar seu sucesso comercial enrustido.

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