Sobre a polarização, tema a ser relembrado nas manifestações de hoje, Dia da Independência do Brasil, devemos refletir a respeito do lulismo. Os lulistas não admitem a hipótese de que Lula é o responsável pelo bolsonarismo. Em verdade, Lula não é mesmo, pelo menos por parte de seus propósitos, mas a atuação dele no poder, até em função da polarização que ele representa, acaba provocando a reação dos opositores mais radicais. Ou seja, Lula, estando no poder, sem querer acaba estimulando a reação bolsonarista.
Lula não é extremista e seu esquerdismo, observando bem, é muito fraco e tão brando que não assusta a Faria Lima e nem representa rupturas com a ordem social vigente há pelo menos 50 anos. Mas, simbolicamente, Lula é um dos extremos na disputa por hegemonia no imaginário coletivo brasileiro, não podendo o presidente combater a polarização apostando num “Brasil de todos”, afinal ele é um dos polos dessa disputa, não uma força a existir fora da polarização.
Isso é tão certo que, em termos de simetria, o bolsonarismo só existe porque Lula existe. A força do antipetismo só faz sentido com o petismo que, no atual mandato de Lula, não está necessariamente agindo em favor dos mais pobres, mas em favor de uma parcela da sociedade que já se encontra próspera, mas só agora vive um empoderamento simbólico pleno.
Ou seja, só agora a “boa” sociedade vive a chance de se ostentar ao mundo, de consumir plenamente e de viver seu hedonismo sem freios. É claro que muita bobagem preciosista é falada ou escrita para dar um ar nobre a essa causa. Mas ninguém quer, de fato, defender o cenário atual por causa dos pobrezinhos. Vamos combinar que a burguesia ilustrada só quer o “bem” dos pobres nos limites feitos para evitar que a “gente bem” seja assaltada, principalmente no fim de seu divertimento noturno.
E isso é tão certo que agendas estranhas ao imaginário progressista original estão sendo expressas: o consentimento com a precarização do trabalho, a bregalização cultural que idiotiza as classes populares, o obscurantismo religioso que clama pela aceitação da desgraça etc.
A exaltação das favelas por setores das esquerdas, abduzidas pelo dito “combate ao preconceito” do consórcio Globo-Folha, é um sintoma disso. É um sério problema habitacional, dos mais graves, sobretudo em questão de segurança e acessibilidade, que foi glamourizado pelo discurso culturalista trazido pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo mas foi aceita de bom grado pela mídia de esquerda, que não teve coragem para romper com essa narrativa. E sabemos o quanto essa mídia, sobretudo a Caros Amigos, pagou um preço muito caro ao reproduzir a mesma visão da mídia patronal em torno da cultura popular.
Isso criou um sério problema para o Brasil. A bregalização que estava a bordo do discurso “contra o preconceito” idiotizou e desmobilizou as classes populares e fez a mídia de esquerda assinar embaixo de abordagens trazidas por veículos controlados por oligarquias empresariais e até políticas, legitimando e fortalecendo o poder dessas ricas famílias.
Daí que o “combate ao preconceito”, que tentou tratar a bregalização cultural como uma “cultura pura, ao mesmo tempo acomodada e libertária”, criou condições não só para o golpe político de 2016 e o bolsonarismo, mas também para o desnorteamento do lulismo, que teve que deixar de combater o pacote de maldades de Michel Temer, só tirando aspectos “mais danosos”, e se limitar a brigar com Jair Bolsonaro, na verdade um operador menor do golpe de 2016.
O próprio Lula passou a ser dependente daqueles que sabotaram seu projeto progressista. E teve, também, que recorrer ao tucanato da velha guarda para retornar à cena política, deixando a imagem negativa do PSDB para os “novinhos” tutelados pelo titio Aécio Neves. Já a velha guarda de Fernando Henrique Cardoso e Aloísio Nunes representam a herança do movimento Diretas Já do qual Lula se inspirou para criar seu discurso de “redemocratização” do Brasil.
E aí vemos a polarização ocorrendo, como uma rinha política que sempre coloca dois lados em conflito, sempre o lado mais brando contra o radicalismo perverso. Lulistas e bolsonaristas, estes herdeiros do lavajatismo, se degladiando e ameaçando uma alternância de poder, como na disputa, nos EUA, entre a direita moderada do Partido Democrata e a direita ortodoxa do Partido Republicano, este no comando da poderosa nação através de Donald Trump.
O problema está, hoje, nas narrativas lulistas de que tudo que não for Lula é extrema-direita. Enquanto a direita demonstra seus conflitos e Tarcísio de Freitas, governador paulista que é aspirante a presidente da República, quer atuar solidário mas independente do bolsonarismo, Lula tenta reforçar a “democracia de um homem só” na sua campanha pela reeleição.
Dessa forma, o Brasil, que está culturalmente deteriorado e que vive sob o jugo da elite do bom atraso, está numa situação delicada e frágil, refém de uma polarização que nada trará de avanços concretos para o país, sendo apenas uma arena para o moralismo retrógrado dos bolsonaristas e a festividade identitária dos lulistas.
Dessa forma, o círculo vicioso acontece, com duas forças opostas querendo fazer heroísmo e umas acusando outras de vilania. Ver a democracia refém da polarização só vai travar a evolução do Brasil. Se nosso país está longe de se tornar realmente desenvolvido, pelo menos que possa se tornar um país um pouco mais digno para se viver, de preferência acabando com essa rinha entre lulistas e bolsonaristas e colocando sangue novo na nossa política .
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