A intelectualidade "bacana", aquela que invadia a mídia e os ambientes de esquerda para fazer proselitismo em prol da "cultura brega", inventou sujeitos como Marco Antônio Villa.
O truque era esse: enquanto intelectuais supostamente progressistas defendiam a imbecilização cultural, ofereciam munição para inexpressivos comentaristas reacionários terem algo para dizer.
Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino e Rachel Sheherazade, por exemplo, são, como comentaristas, gente abaixo do ninguém.
Corrijo. Talvez nem tanto assim, diante de gente ainda pior, como Kim Kataguiri, Fernando Holiday e Alexandre Frota.
Mesmo assim, todos os reaças desse porte possuem, de qualquer maneira, uma profunda aridez intelectual.
Quem os fortalece são, por ironia, os outros intelectuais, aqueles jornalistas culturais, historiadores e antropólogos que a "esquerda fashion" pediu para as esquerdas em geral apoiarem.
Os intelectuais "bacanas" lançaram o mito da "pobreza linda" e da "idiotização legal" na cultura popular brasileira, com mitos estranhos como "cultura transbrasileira", "autossuficiência das periferias" e outros jargões que parecem terem saído da mente de Fernando Henrique Cardoso.
Empurravam tudo isso para os leitores de Caros Amigos, Carta Capital, Revista Fórum e Brasil de Fato.
Fabricou-se o consenso em que era "progressista" defender a associação dos pobres a valores culturais retrógrados: a erotização obsessiva, a comercialização do corpo, o subemprego do comércio clandestino, a embriaguez como falso consolo amoroso.
Isso fez com que as pautas culturais e sócio-políticas dos periódicos de esquerda se desencontrassem.
Em muitos casos, parece até que as sessões culturais da Fórum ou da Carta Capital lembravam mais O Globo e Folha de São Paulo.
E é isso que fazia fortalecer o outro lado, botando algum assunto para a agenda vazia dos comentaristas reacionários.
Não é preciso detalhar que, na prática, Paulo César de Araújo e Pedro Alexandre Sanches "inventaram" Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino e Rachel Sheherazade.
Era um processo surreal: intelectuais "progressistas" defendendo a imbecilização cultural, sub-intelectuais reacionários defendiam a bandeira da "cultura de verdade".
E um exemplo disso está em outro dos comentaristas reaças, o historiador Marco Antônio Villa, com suporte mais "acadêmico", assim como os colegas Luiz Felipe Pondé e Felipe Moura Brasil.
Villa, que em um livro biográfico se referiu a João Goulart como um "covarde", trabalha na Jovem Pan, veículo midiático conhecido pelo reacionarismo extremista.
A Jovem Pan, nos anos 90, se projetou derrubando a rádio de rock Fluminense FM, no Grande RJ, ao mesmo tempo em que transmitia seu modus operandi para a falsa herdeira da "Maldita", a Rádio Cidade.
"Roqueiros" como Rhoodes Dantas (que sabotou a Flu FM), Paulo Becker e Demmy Morales e DJs como Mário Bittencourt, Marcelo Arar e Orelhinha, que atuaram na Jovem Pan "94,9", são da mesma turma de pitboys radiofônicos que derrubam FMs históricas e idolatram figuras como Luciano Huck.
Está tudo unido. Em São Paulo, a morta-viva "rádio rock" 89 FM, reduzida hoje a um MBL radiofônico, é irmã siamesa da Jovem Pan FM. Tutinha e Tatola tem mais a ver um com o outro do que a sonoridade desses apelidos, juntos.
Pois Marco Antônio Villa, sem ter o que dizer, foi se promover fazendo críticas pesadas à cantora Anitta, que apenas faz pop comercial.
O comentário reacionário dele tem dois efeitos.
Um é seu reacionarismo ser superestimado pela "esquerda havaiana", tal qual o de William Waack que fez uma piadinha irônica contra a cantora.
Outro é, em contrapartida, supor a "superioridade cultural" dos comentaristas reaças.
Isso desnorteia a opinião pública, perdida no maniqueísmo vesgo de "progressistas" defendendo a bregalização cultural e a "pobreza linda" e reacionários se dizendo "contrários" a isso.
Os comentários de Marco Antônio Villa são o símbolo desse quadro surreal em que uma abordagem é fragmentada na desigual distribuição de pontos de vistas.
Quem defende a bregalização que faz apologia à pobreza humana é considerado "progressista" pelos reacionários.
Em compensação, comentaristas que não estão aí para o povo pobre fingem defender uma cultura de verdade que recuperasse a dignidade nas classes populares.
Vamos então ler os comentários de Marco Antônio Villa sobre o sucesso "Vai, Malandra" de Anitta e constataremos essa disparidade de pontos de vista que mais parecem combinados entre intelectuais "bacanas" e comentaristas reaças.
Com isso, os intelectuais "bacanas" desmoralizam as esquerdas, associadas a uma baixa consciência cultural, enquanto deixa para os comentaristas reacionários a oportunidade de expressarem uma "consciência sócio-cultural" que em verdade não possuem.
Os comentários foram dados na edição de ontem do Jornal da Manhã, produzido pela Jovem Pan AM mas reproduzido também em FM. Em tempo: a Jovem Pan FM toca os sucessos de Anitta numa boa.
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"Anitta é o melhor exemplo da decadência cultural do Brasil".
"Nós vivemos uma decadência cultural. É inquestionável, inegável. A ignorância se transformou em política oficial. Quanto mais medíocre melhor. Eu pego como exemplo essa moça. A cantora Anitta é o melhor exemplo da decadência cultural do Brasil. A música 'Vai Malandra' e o vídeo são umas das coisas mais reacionárias que eu vi na minha vida. A desqualificação da mulher é um absurdo. Não vou chamar de versos na letra, que seria exagero. Ela está com uma bota com a bandeira do Brasil".
"Observe que há toda uma mercantilização do corpo da mulher e uma idealização da favela, que é favela mesmo, não é comunidade. É favela. Nós não podemos pelo nome transmudar, através de uma palavra, uma vergonha nacional, que é a existência das favelas. As pessoas não podem morar naquelas condições de vida terríveis, naquele espaço marcado pelo crime, não pode. As pessoas têm que morar em condições adequadas. Morar ali é impossível, e não há meio de reformá-las. O vídeo dá nojo, dá asco. Chamaram isso do 'novo hino nacional brasileiro'".
"Bons tempos quando a Anita era Garibaldi. Agora, Anitta é da elite brasileira! A elite gosta da Anitta! Sim, é uma elite medíocre, medíocre, que odeia cultura, odeia museu, odeia patrimônio histórico. É a elite da Anitta, rastaquera, ignorante. E essa moça representa o Brasil. No último Grande Prêmio de Fórmula 1, ela cantou o Hino Nacional. Eu sugeri que neste ano seja Pabllo Vittar. É, já que é para escrachar, vamos escrachar o país! É uma vergonha dizer que essa senhora nos representa".
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