Vamos citar um caso hipotético.
Uma jovem, não necessariamente inclinada a humilhar os outros, frequenta as comunidades bastante populares nas redes sociais da Internet.
Numa delas, o valentão que não é necessariamente o criador da comunidade, mas é seu principal participante, de repente convida as pessoas para participar de uma "brincadeira".
A "brincadeira" é invadir a página de recados de alguém com o qual o valentão teve uma discussão, na qual o durão saiu-se em desvantagem.
A jovem adere à campanha difamatória, sem saber realmente do que é. Participa do "efeito manada" escrevendo comentários semelhantes aos dos outros.
Ela até ensaia uma gozação com a vítima, ignorando que esta chegou a sentir certa simpatia com a moça.
Depois de todas as repercussões conhecidas num ato de valentonismo digital, a moça logo descobre que foi "queimada" ao participar do ato ofensivo.
Alguns amigos chegaram a mandar mensagens perguntando por que ela participou do ato. Ela respondeu, na boa-fé, que foi porque achava divertido e imaginava que o valentão era gente boa.
A moça passa a sofrer constrangimentos futuros, por conta de sua inocente participação.
É o preço do que chamamos de "efeito manada" que permitiu que a truculência nas redes sociais se projetasse e crescesse na Internet.
Valentões que se achavam dotados de muito carisma passaram a ser populares mesmo escrevendo bobagens, agredindo os outros, criando páginas ofensivas e, em certos casos, investindo em violência nas ruas.
A desinformação generalizada da população, combinada com um coquetel indigesto de relativismos sociais, desvalorização da ética, sensacionalismo, pragmatismo e hedonismo, faz com que as pessoas se sintam reféns da "terra sem lei" das redes sociais.
Ficam num meio caminho entre a permissividade extrema e a repressão impiedosa. E que criaram uma série de decepções e até de aflições diante de tantas ilusões derrubadas.
Como no caso do feminicida que se revela através de um marido violento que, na ilusão etílica das noitadas, era aquele rapaz relativamente atraente, eloquente e bem humorado.
No caso do valentonismo, o valentão é o "mestre de cerimônias", o rapagão irreverente que as pessoas estavam acostumadas a tratar com simpatia e apreço.
Pessoas assim, no entanto, fizeram crescer a onda de ódio e o reacionarismo nas redes sociais e já se chega ao ponto de haver a ascensão política do truculento e despreparado Jair Bolsonaro.
Dizem que o fenômeno Bolsonaro tem uma adesão "espontânea" de até 29% da população brasileira.
Mentira, ou melhor, fake news, só para usar o termo da moda. O número de bolsonaristas fiéis nem de longe chega a 5% da população.
O resto é o chamado "efeito manada" - ou o efeito "morsas do Alasca", conforme apelidei - de pessoas que acabam sendo prisioneiras de membros influentes nas comunidades visitadas no WhatsApp e Facebook.
Sim, porque num dia eles são os rapazes divertidos e criadores de piadas e estórias hilárias, ou de memes bastante engraçadas.
Mas no outro eles são os tiranos a fazer dos "amigos" das comunidades digitais seus escravos a aderir a tudo que eles propusessem fazer.
Quantos bolsonaristas de primeira viagem, na verdade, são pessoas pressionadas a aderir a Jair Bolsonaro e criar todo um teatro de fingimento sob pena de receber represálias nas redes sociais?
Nenhuma motivação existe para Jair Bolsonaro estar em alta, da mesma forma como o filho, Flávio, na corrida carioca para o Senado.
Nem mesmo a questão da criminalidade justifica. Um presidenciável ou um candidato ao Legislativo deveriam ser apoiados por um conjunto de propostas, não por causas imediatistas.
Bolsonaro não tem a menor segurança para governar o país. É temperamental, explosivo, eventualmente se retrata dos erros quando é tarde demais e suas propostas retrógradas só tendem a destruir o Brasil.
O mais grave, porém, são seus preconceitos sociais, não só machistas como racistas.
Mas tem coisa pior: Bolsonaro ensinando criancinhas a fazer o gesto de tiro, numa clara incitação à violência.
Só esse gesto de Bolsonaro com as crianças derruba de vez o seu "favoritismo" forjado pelos institutos de pesquisas com a "graninha por fora" da Centauro e da Riachuelo (RCHLO).
De repente as pesquisas "repousaram", embora em tese Bolsonaro dormisse tranquilo com a chance de governar o país depois de uma competição sem Lula.
Fala-se até que o eleitorado do PSDB aderiu todo a Bolsonaro. Como foi fácil montar uma popularidade fake! Os conervadores mordem as próprias iscas que armaram para os outros.
Eu acredito que Geraldo Alckmin teve algum crescimento político, mesmo que seja somente entre as elites.
Não acredito que a burguesia queira trocar um conservador tradicionalista como Alckmin pelo aventureiro Bolsonaro.
Também não acredito que, da noite para o dia, o inexpressivo Paulo Guedes tenha se transformado no "supereconomista" com as soluções mágicas para retomar o crescimento do Brasil.
O efeito manada que combina sensacionalismo e desinformação é que transformou Jair Bolsonaro num "favorito", num monstro fake que pode destruir o Brasil já no decorrer do próximo ano.
Bolsonaro é o golpe de 2016 levado às últimas consequências. Ele é uma espécie de versão hardcore de Michel Temer. Com direito à indumentária militar usada pelos nazipunks.
Bolsonaro é o tipo que levará ao cabo muitos dos desejos das elites conservadoras: privatizará tudo que encontrar pela frente, venderá até a padaria da esquina para empresas estrangeiras, permitirá violência policial nas favelas e roças, anistiará presos por homicídio e prenderá oposicionistas.
Só que chega um momento em que Bolsonaro perderá o controle, fará um governo personalista e até as elites que o apoiaram pagarão pela festa que fizeram.
Mais uma vez o efeito manada, puxado pelo coral dos quenuncas (aquela turma que adora dizer "quem nunca erra?"), se deixa levar pelos ventos do sensacionalismo impulsivo.
Se iludem por achar que Bolsonaro é "gente como a gente", falando como se fosse um amigo do botequim da esquina.
A experiência do Brasil com figuras pitorescas assim foi mais do que desastrosa.
Não podemos aderir ao efeito manada, mais uma vez. Já basta os prejuízos que muitos inocentes tiveram ao aderirem ao valentonismo das redes sociais.
A hipotética mocinha da estória do começo desta postagem foi aderir a um ato de truculência digital, acreditando no jeito "divertido" do líder, e acabou sendo enquadrada entre os acusados de formação de quadrilha.
Os brasileiros que são induzidos a querer Bolsonaro em troca de uma fictícia "bolsa Instagram" vão também sofrer suas consequências.
Quem eleger Bolsonaro não vai mais continuar brincando nas redes sociais, fazendo selfie e vivendo de "bolsa Instagram", como a "doce vida" que tentaram ensaiar nos primeiros meses do governo Temer.
Todo mundo vai pegar na enxada e na vassoura, em troca de uns parcos reais.
Eu ainda acho a "solução Pindamonhangaba" (Ciro e Alckmin) bem menos perigosa do que jogar Lula / Haddad e Bolsonaro no segundo turno.
Com um petista enfrentando o mito, a plutocracia derruba o PT com suas subversões à lei, e o mito toma o país num só golpe.
Que ao menos o PT enfrente alguém menos ofensivo: Alckmin, Marina Silva, até mesmo Álvaro Dias é mais vantajoso para os petistas do que Bolsonaro.
As pessoas deveriam, antes de se juntar à manada, ver para onde ela está indo. Para evitar ser mais um boi de piranha da próxima ocasião.
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