A mídia de esquerda deu um tiro no pé quando acolheu, sob a desculpa do "combate ao preconceito", os mesmos ídolos musicais da Rede Globo.
Superestimou as plateias lotadas, não só pela pobreza, mas pelos critérios de etnia e liberdade sexual.
Erraram muito feio. Morderam a isca e fizeram o Brasil se enfraquecer culturalmente.
Esqueceram que esse proselitismo que os intelectuais adestrados por Fernando Henrique Cardoso, Otávio Frias Filho e aliados fizeram na mídia de esquerda era um golpe cultural enrustido.
Era uma forma de evitar uma frente ampla da MPB como a que ameaçou a ditadura militar, entre 1965 e 1968.
O "bom esquerdista" Pedro Alexandre Sanches, aluno-modelo das lições do falecido Frias, tentou cortar o bem pela raiz.
Foram notórios os ataques, que sujaram muitas páginas esquerdistas no papel e na Internet, ao grandioso Chico Buarque, xingado de "coronel da Fazenda Modelo" para baixo.
Em contrapartida, se empurrou para as esquerdas a adoração a Zezé di Camargo & Luciano, que se revelou uma dupla reacionária.
Mas esse proselitismo todo, bancado pela "santíssima trindade" da intelectualidade "bacana" (Paulo César Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna, este o único a assumir vínculo com a mídia venal), se deu mais ou menos de 2005 em diante.
Antes a mídia venal tinha uma atuação mais explícita na glamourização da bregalização cultural.
Na verdade, desmontar a MPB autêntica era uma obsessão de uma parcela de intelectuais, mesmo os "especializados em música brasileira".
Fora do eixo Rio-São Paulo, temos como exemplos a porralouquice de Milton Moura, na Bahia, e o reacionarismo momesco de Eugênio Arantes Raggi, em Minas Gerais.
A ideia era dupla.
Num propósito, aparentes estudiosos de MPB passaram a cortejar a bregalização, tomando empresatado alguns clichês tropicalistas, visando interesses comerciais estratégicos.
No outro propósito, era a tentativa de afastar o grande público da MPB, reduzindo ainda mais o alcance das mensagens dos artistas dotados de inteligência e talento.
Criou-se todo um esforço para sobrepôr, até mesmo à própria MPB, os ídolos musicais brega-popularescos, a partir da geração neo-brega dos anos 1980 e 1990.
A Rede Globo, que até 1984 não parecia inclinada à bregalização musical, passou a adotar desde então, com a máquina de fazer sucessos de Michael Sullivan e Paulo Massadas.
Duas décadas mais tarde, Alceu Valença denunciou o "esquema do Sullivan": destruir a MPB e substitui-los por ídolos musicais mais submissos ao mercado e às regras mercantilistas da indústria fonográfica.
Nessa época, Globo e RCA-Victor (depois rebatizada BMG) criaram um "consórcio" de bregalização da música brasileira, cooptando alguns emepebistas como Joanna, Alcione, Fagner e Roupa Nova.
O "esquema do Sullivan", denunciado no momento em que o esperto Michael Sullivan se fazia de coitadinho e queria retomar a carreira carregado pela mesma MPB que ele quis destruir, era o começo de um longo caminho de desmonte da MPB.
Lincoln Olivetti e Robson Jorge haviam pasteurizado a MPB pouco antes, eliminando o vigor que havia até 1977.
Com isso, Olivetti, Jorge, Sullivan e Massadas foram comemorar o butim cultural compondo "Amor Perfeito" (não seria "Crime Perfeito"?) para Roberto Carlos e, depois, Bell Marques e Cláudia Leitte cantarem, celebrando o casamento por conveniência da música brasileira com o comercialismo.
Caminhando de mãos dadas com o clientelismo das concessões de rádio e TV, Sullivan e Massadas desenharam a "cultura popular" com as canetas de Antônio Carlos Magalhães e José Sarney.
E aí, com rádios FM e TVs entregues a oligarquias políticas regionais, a música brasileira teve um novo norte. Ou desnorte.
A MPB desaparecia aos poucos das rádios, enquanto se multiplicavam os pastiches de ritmos regionais, a partir do "pagode romântico" e do "sertanejo".
Um "pagode romântico" que parodiava a soul music e um "sertanejo" que parecia reduzir Goiás a um arremedo do Texas.
Era a americanização verticalmente instituída pelo mercado musical, nada havendo com a antropofagia cultural de Oswald de Andrade.
Era um barbarismo decidido "de cima", pelo poder radiofônico, não pela vontade espontânea daqueles que querem introduzir influências estrangeiras por vontade própria.
A bregalização causou uma revolta profunda da crítica especializada, e não raro foram as vozes críticas contra a degradação da música brasileira.
No auge de sua produtividade, José Ramos Tinhorão alertava sobre essa degradação, assim como nomes diversos como Ruy Castro, o falecido Mauro Dias, e vários jornalistas de Rock Brasil que sentiram a ferida da bregalização crescente no gosto juvenil.
O hiato entre a Era Collor e a Era FHC, com o discreto semi-progressista Itamar Franco no comando, simbolizou, também, um período de leve recuperação da MPB, derrubada, todavia, quando o sociólogo da Teoria da Dependência assumiu o poder.
E aí, o que vimos foi a montagem de um esquema de blindagem que durou uns 20 anos.
Intelectuais orgânicos, articulados como num IPES-IBAD pós-tropicalista, passaram a defender a bregalização cultural usando jargões próprios de FHC: "cultura das periferias".
Mas foi a Rede Globo quem primeiro agiu para bregalizar geral, em diversos eventos musicais ou ligados a efemérides diversas.
A ideia era primeiro misturar alhos com bugalhos. Em eventos onde apareciam emepebistas, se enfiava um Chitãozinho & Xororó aqui, um Alexandre Pires ali.
Aniversário da cidade de São Paulo? Lá estavam Zezé di Camargo & Luciano fazendo um número musical, escondido aos emepebistas.
Evento de samba? Joga-se o Só Pra Contrariar o É O Tchan escondidos entre os bambas do gênero.
Tributo a Lamartine Babo? Reportagem do Jornal Nacional jogava logo a melosa versão de Chitãozinho & Xororó.
E teve disco de MPB que havia um dueto entre o artista em questão e um ídolo popularesco.
Essa geração que chegou ao poder na Era Collor passava a relançar suas carreiras através de covers canastronas de sucessos da MPB, ou por meio de duetos tendenciosos com emepebistas.
Com isso, criou-se um "balcão de negócios" nos quais o emepebista e o brega-popularesco realizam duetos diante de um curioso discurso de marketing.
Nesse discurso, o ídolo musical brega-popularesco vende a falsa imagem de "coitadinho", de um ídolo "muito popular" em busca de um "lugar ao Sol no primeiro time da MPB", que faz um dueto com um artista de MPB visando atingir essa "causa nobre".
Através desta retórica, o emepebista é que é visto como o "rei do pedaço", o "chefão do esquema", o establishment do mainstream etc.
Mas na realidade, a coisa é diferente. Quem é o "rei do pedaço" é o ídolo de maior sucesso, que por sinal exerce influência em várias reservas de mercado de apresentações ao vivo em todo o país.
No dueto entre um emepebista e um brega-popularesco, o "coitadinho" mesmo é o emepebista, que precisa desse dueto para viabilizar contratos para se apresentar no interior do Brasil.
O caso Tiê e Luan Santana é ilustrativo, e o fato de ambos, em tese, parecerem igualmente juvenis, pegou desprevenida muita gente.
Pois o "espontâneo dueto" é mais um entre centenas de tantos para fazer a MPB ser aceita no fechado e inflexível mercado de apresentações de brega-popularesco, comandados por oligarquias políticas e latifundiárias.
E é esse mercado que foi alimentado pela Rede Globo, que, depois de dar visibilidade a Michael Sullivan - que a ninguém enganou com seu coitadismo tardio - , tentou dar um banho de estética e aparato técnico para os toscos ídolos brega-popularescos de 1989-1992.
Foram intensos anos em que o nosso legado musical era empastelado pelos ídolos popularescos, fazendo a população se acostumar mal com eles.
E, hoje em dia, quem é alvo de preconceito e discriminalização é a MPB autêntica. Aquela em que só os intelectuais "bacanas" pensam que reina soberba no seu trono do mainstream.
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