Nos últimos anos, alguns fenômenos desaparecidos no Rio de Janeiro reapareceram.
A rádio Antena Um, única rádio de pop adulto que sai um pouco do óbvio - embora fosse a que menos tocasse MPB, num contexto em que se pede mais música brasileira nessas emissoras - , retornou depois do fracasso retumbante da popularesca Nativa FM.
A versão impressa do Jornal do Brasil, ausente sem que sua lacuna fosse preenchida com dignidade - o jornal O Dia, possível substituto, manteve sua linha popularesca light - , retornou de forma brilhante, com linha editorial cada vez melhor e com resultados satisfatórios nas vendas.
Agora é a vez da diversidade visual das empresas de ônibus cariocas, depois de oito anos de vergonhosa padronização que desafiava as atenções dos passageiros ao dificultar a identificação visual das empresas, todas iguaizinhas.
Forçou-se muito a barra para empurrar os "ônibus iguaizinhos" para o imaginário carioca. Até a grande mídia tentou ajudar, com documentários e matérias de revistas fotografando paisagens cariocas com algum ônibus padronizado e com aquela pintura de "embalagem de remédio".
Houve valentonismo digital, a seletividade da Justiça barrou ações judiciais contra a pintura padronizada nos ônibus, e secretários de Transportes falavam tecniquês para atribuir à pintura padronizada vantagens e funcionalidade que não existem.
As três voltas - Antena Um, Jornal do Brasil impresso e diversidade visual - são três recuos que a onda de retrocessos cariocas teve que fazer, porque os contextos, variantes entre si, tinham o dado comum de terem ido longe demais.
Juntamente a isso, veio a desmoralização dos "heróis de outrora": dos falsos desenvolvimentistas Sérgio Cabral Filho e Eduardo Paes (que sonhava ser um pretenso mini-Juscelino com a desenvoltura de um Luciano Huck), restaram dois políticos decadentes, um preso e outro tentando novo cargo.
Em seguida, depois da eleição do inexpressivo e medíocre Eduardo Cunha para a Câmara Federal, na qual foi indicado presidente por aliados fisiológicos, criou-se um artífice do golpe de 2016 que depois foi descartado e "humilhado" pela mesma mídia que o apoiou.
Há também a gradual desmoralização dos valentões da Internet, em boa parte residentes no Grande Rio.
"Heróis" em primeiro momento, organizando ataques em massa para defender causas furadas (que iam de uma simples gíria da mídia venal, "balada", à objetificação da mulher brasileira), os valentões depois viram "vidraça" e arrumam brigas até com antigos amigos.
Capitães de barcos furados, também viam suas causas afundarem ao se mostrarem desastrosas. A pintura padronizada nos ônibus é um exemplo.
Por enquanto, há ainda a causa bolsonarista, o novo barco furado patrulhado pelo valentonismo digital.
Grupos combinam enviar mensagens quase simultâneas, com nomes reais e outros fake, criando uma falsa unanimidade em torno de mais uma causa furada: botar o troglodita Jair Bolsonaro para governar a República.
Até textos da mídia que denunciam atitudes bolsonaristas têm, no seu fórum de mensagens, esse comboio de comentários pró-Bolsonaro, sempre repetitivos e cheios de clichês.
Há muita coisa mal-resolvida no Estado do Rio de Janeiro.
O "funk", fenômeno dançante ultracomercial, tenta ainda se vender como pretensa vanguarda cultural.
A Rádio Cidade tenta roubar para si a reputação da antiga Fluminense FM, se esquecendo que a RC estava muito mais para disco music e pop romântico na sua fase áurea.
Agora é a questão suicida em defender um político que já nasceu decadente e que se comprova sem a menor segurança para governar o Brasil.
O Rio de Janeiro parece viver um período de transição, entre a defesa desesperada do pragmatismo - ou seja, aceitar retrocessos visando a satisfação apenas de "necessidades básicas" - e a recuperação da antiga grandeza.
No último fim de semana, ensaiou-se um grito de solidariedade a Lula, no Festival Lula Livre, nos Arcos da Lapa.
No Pavilhão de São Cristóvão, ecoou-se um grito quase uníssono de "Lula Livre", dado pela maioria dos presentes.
Apesar disso, ainda preocupa o fenômeno Bolsonaro e a truculência de seus defensores, vários deles com espinhas no rosto e nas primeiras ingestões de remédios anabolizantes.
As esquerdas médias brasileiras subestimam Bolsonaro, e tanto elas quanto Ciro Gomes se desentendem, em vez de fazer uma aliança estratégica, na hipótese de Lula não poder mais ser candidato.
O Rio de Janeiro está em situação frágil e pode naufragar em novos pragmatismos, que criam uma grande armadilha.
O pragmatismo apela para retrocessos visando o atendimento apenas às "necessidades básicas".
Só que os retrocessos são sucessivos. E, com isso, as "necessidades básicas" sempre decaem, sendo na verdade perda gradual de benefícios.
Mas até que um bolsonarista seja obrigado a trocar suas horas de WhatsApp pelas enxadas e picaretas nas usinas de nióbio, será tarde demais.
Comentários
Postar um comentário