Pular para o conteúdo principal

"POPULAR DEMAIS" E OUTRAS ABERRAÇÕES PROPICIARAM O BOLSONARISMO


Recentemente, repecutiu na Internet uma foto com doze candidatas da última edição do concurso Miss Bum Bum, fazendo propaganda para o fascista Jair Bolsonaro.

Depois da adesão ou do apoio depois não-assumido de personalidades da música brega-popularesca como Eduardo Costa, Gusttavo Lima e Nego do Borel, o "popular demais" deve sentir os reflexos do chamado "pobre de direita".

O fenômeno Jair Bolsonaro, também compartilhado pela projeção de seus filhos - como Eduardo e Flávio, os mais articulados - , é uma coisa impensável em termos de lógica e bom senso.

Jair demonstrou-se um completo desastre na sua entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura.

Todavia, muitos ainda estão confiantes da vitória do "mito", ou da sua ida ao segundo turno da corrida presidencial.

Aberração das aberrações, o fenômeno Bolsonaro só foi possível por uma série de fatores aberrantes.

Para começar, a sociedade conservadora que defendeu o golpe de 1964 e a ditadura militar, que atingiu a sua felicidade entre 1974 e 1977, entrou num surto de perigoso saudosismo nos últimos anos.

E olha que, na prática, 1974 nunca terminou, porque seu legado de uma sociedade culturalmente fraca, desigual e com privilégios exorbitantes das elites, sempre arrumou um jeito para sobreviver até em tempos de redemocratização.

A patota que impulsionou o bolsonarismo, até mesmo sem querer, pode ser responsabilizada direta ou indiretamente por esse verdadeiro colapso social.

A intelectualidade "bacana", representante informal da mídia hegemônica mas agindo em trincheira contrária, forçava as esquerdas a aceitar a bregalização da cultura popular.

Na sua "luta contra o preconceito", a elite de jornalistas, antropólogos, cineastas, historiadores etc que apostava num Brasil brega, em vez de provocar a revolução social que eles diziam acontecer, acabou causando um efeito oposto.

As pessoas ficaram mais preconceituosas - afinal, o establishment foi tomado pela supremacia do mau gosto "popular" - , a cultura se enfraqueceu e o povo, ocupado em rebolar o "funk", o "sertanejo" e similares, deixou o golpe político de 2016 acontecer.

As esquerdas médias ficaram confusas ou faziam vista grossa quando, contrastando à tendenciosa defesa da mídia alternativa à bregalização, se via mais gente reacionária exaltando o "popular demais" nas redes sociais.

Desde a iniciativa distante do baiano Milton Moura, que acreditava que a bunda seria o futuro da cultura popular baiana, até o neoliberalismo enrustido de Pedro Alexandre Sanches, apostando numa tucana cultura transbrasileira sob rótulo pseudo-petista, o golpe foi fácil diante de cultura fraca.

Afinal, essas pregações intelectuais, na verdade, foram feitas para abrir réplicas para reacionários que, sem ter o que dizer, levantavam a falsa bandeira da "cultura de verdade": Rodrigo Constantino, Reinaldo Azevedo, Rachel Sheherazade etc.

Era criado um Fla-Flu intelectual entre Sanches e seus consortes, de um lado, e Reinaldo Azevedo e companhia, de outro, que fez escancararem os portões para o golpe de 2016.

E isso com Rômulo Costa, amigo de Luciano Huck, da Globo e dos políticos reaças do MDB e PSD, tentando amansar os indignados com o impeachment que seria voltado pelos deputados federais para dar início à derrubada do governo da presidenta Dilma Rousseff.

O "popular demais" que, de maneira "anti-preconceituosa", promovia as classes populares de maneira bastante preconceituosa - afinal, era defendido pela intelectualidade "sem preconceitos", mas muitíssimo preconceituosa - , deixou o povo domesticado e politicamente impotente.

Outros responsáveis são as religiões evangélicas, de linha pentecostal, como a Igreja Universal do Reino de Deus, e o Espiritismo na sua concepção igrejista que predomina no Brasil.

As primeiras, porque carregaram demais no seu moralismo agressivo e preconceituoso, e, querendo apoiar o governo Temer, acabaram depois passando a defender Jair Bolsonaro.

A segunda, pretensamente humanista e tida como espiritualista, também carregou demais no moralismo austero, mas de maneira enrustida e sutil, de forma que o Espiritismo no Brasil receba também a complacência ingênua de setores das esquerdas.

As esquerdas, como um loser apaixonado pela mulher que o despreza, chegam mesmo a adorar um famosíssimo "médium" conhecido por usar peruca e ter visual cafona e cujo pretenso mito filantrópico, nos moldes que hoje conhecemos, foi definitivamente moldado pela Rede Globo.

Suposto símbolo de amor e caridade, o tal "médium" defendeu a ditadura e era adepto de ideias retrógradas do Catolicismo medieval. Defendia que os sofredores aguentassem as desgraças calados, daí não entender por que há esquerdistas que adoram tanto essa personalidade infeliz.

Esse "médium", mais para um amalucado mix entre Aécio Neves, Luciano Huck e Kim Kataguiri - respectivamente pela esperteza, pela pretensa filantropia e pelo gosto de produzir fakes (no caso os do "além-túmulo") - , no entanto defendia um moralismo severo que faria Jair Bolsonaro sair babando.

O imaginário desse Espiritismo, propagado pelo midiático "médium" que faleceu no fim da fraudulenta Copa de 2002, criou também condições psicológicas e simbólicas que permitiram a ascensão do bolsonarismo no Brasil.

Bem que aquele projeto de "coração do mundo" era bem fascista. Num mesmo pacote, atribui-se o Brasil como futura sede de um novo Império Romano e de um novo Catolicismo medieval.

Apostando no pretenso e midiático "médium" como "personificação do amor", na verdade se estava privatizando as virtudes humanas na imagem de um homem que nem era tão virtuoso assim, e que por trás de sua imagem doce escondia aspectos sombrios de arrepiar.

O "bem" reduziu-se a uma franquia que "todos podem obter", mas é de propriedade intelectual do "médium" arrivista, mesmo depois de morto.

Privatizando o "bem", na pessoa de um ídolo religioso, o "mal" torna-se público.

Daí que tanto o "médium" quanto o "mito" são adorados pelos mesmo redutos: a Justiça seletiva e tendenciosa, as redes sociais truculentas e reacionárias, as páginas de fake news, a própria Rede Globo que blinda os "médiuns" e por aí vai.

Cria-se um Brasil conservador, mas a coisa saiu do controle e o que se tem é uma juventude reacionária que pode não ser maioria, mas é influente e persistente.

Criaram-se Frankensteins ideológicos, zumbis do ativismo das trevas, que, como se não bastasse terem sido desprovidos da boa educação familiar, estavam entregues a péssimos referenciais culturais.

Isso criou um coquetel de obscurantismo e intolerância que pegou as esquerdas de surpresa.

Agora é preciso reparar esse estrago de décadas - ele ocorre desde 1974 - antes que ele se reflita nas urnas, oferecendo, através do Executivo federal, uma ameaça séria ao nosso Brasil, que é entregar um governo a um fascista.

Devemos rever a nossa cultura e, se preciso, abrir mão de velhos ídolos e velhos totens, para construir um Brasil novo e em busca de justiça social e qualidade de vida.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

PUBLICADO 'ESSA ELITE SEM PRECONCEITOS (MAS MUITO PRECONCEITUOSA)'

Está disponível na Amazon o livro Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , uma espécie de "versão de bolso" do livro Esses Intelectuais Pertinentes... , na verdade quase isso. Sem substituir o livro de cerca  de 300 páginas e análises aprofundadas sobre a cultura popularesca e outros problemas envolvendo a cultura do povo pobre, este livro reúne os capítulos dedicados à intelectualidade pró-brega e textos escritos após o fechamento deste livro. Portanto, os dois livros têm suas importâncias específicas, um não substitui o outro, podendo um deles ser uma opção de menor custo, por ter 134 páginas, que é o caso da obra aqui divulgada. É uma forma do público conhecer os intelectuais que se engajaram na degradação cultural brasileira, com um etnocentrismo mal disfarçado de intelectuais burgueses que se proclamavam "desprovidos de qualquer tipo de preconceito". Por trás dessa visão "sem preconceitos", sempre houve na verdade preconceitos de cl

OS CRITÉRIOS VICIADOS DE EMPREGO

De que adianta aumentar as vagas de emprego se os critérios de admissão do mercado de trabalho estão viciados? De que adianta haver mais empregos se as ofertas de emprego não acompanham critérios democráticos? A ditadura militar completou 60 anos de surgimento. O governo Ernesto Geisel, que consolidou o Brasil sonhado pelas elites reacionárias, faz 50 anos de seu início. Até parece que continuamos em 1974, porque nosso Brasil, com seus valores caquéticos e ultrapassados, fede a mofo tóxico misturado com feses de um mês e cadáveres em decomposição.  E ainda muitos se arrogam de ver o Brasil como o país do futuro com passaporte certeiro para ingressar, já em 2026, no banquete das nações desenvolvidas. E isso com filósofos suicidas, agricultores famintos e sobrinhos de "médiuns de peruca" desaparecendo debaixo dos arquivos. Nossos conceitos são velhos. A cultura, cafona e oligárquica, só defendida como "vanguarda" por um bando de intelectuais burgueses, entre jornalist

MAIS DECEPÇÃO DO GOVERNO LULA

Governo Lula continua decepcionando. Três casos mostram isso e se tratam de fatos, não mentiras plantadas por bolsonaristas ou lavajatistas. E algo bastante vergonhoso, porque se trata de frustrações dos movimentos sociais com a indiferença do Governo Federal às suas necessidades e reivindicações. Além de ter havido um quarto caso, o dos protestos de professores contra os cortes de verbas para a Educação, descrito aqui em postagem anterior, o governo Lula enfrenta protestos dos movimentos indígenas, da comunidade científica e dos trabalhadores sem terra, lembrando que o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) já manifestou insatisfação com o governo e afirmou que iria protestar contra ele. O presidente Lula, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou, no último dia 18, a demarcação de apenas duas terras para se destinarem a ser reservas indígenas, quando era prometido um total de seis. Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram beneficiadas pelo document

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul