"PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS É REFRESCO" - O ditado popular preferido por correntes "bondosas" do moralismo religioso, como o Espiritismo brasileiro.
Há uma triste tradição, no Brasil, de um moralismo punitivista mascarado de pregação religiosa falsamente progressista. Os lábios de mel de muitos pregadores disfarçam a defesa da desgraça alheia com uma retórica que imita os conselhos paternais, com uma suavidade e uma pretensa superioridade intelectual que engana milhares de pessoas.
A doce tirania desses moralistas da meritocracia mostra o quanto a Teologia do Sofrimento é influente no Brasil, embora nunca assumida por 99,99 % de seus pregadores que, como lobos em peles de cordeiros, enganam muito mais do que os histriônicos pregadores neopentecostais, entre pastores e “bispos”.
Quase ninguém assume professar a Teologia do Sofrimento para manter as aparências de um discurso hipócrita, que faz o possível para soar generoso, mesmo diante da defesa radical de que o oprimido precisa suportar desgraças extremas para se libertar.
Vende-se gato por lebre, e a Teologia do Sofrimento - Teodiceia do Sofrimento, segundo o sociólogo Jessé Souza - se vende como uma pretensa “Teologia da Libertação”, através de todo um arranjo discursivo, de toda uma falácia fundamentada na ideia de que desgraças extremas produzem gênios e ativistas humanitários, quando os fatos mostram o outro lado, que é a formação de tiranos e ladrões.
Essa visão é propriamente da Casa Grande. É como se o escravo, para obter uma alforria, tivesse que cumprir os piores trabalhos e ainda ser chicoteado sem motivo e sofrer até mesmo o flagelo de ser marcado a ferro e a fogo com a identificação da casa onde presta esse triste serviço. Ou seja, para ser libertado, o escravo tem que enfrentar a escravidão até as últimas consequências, calado e sem reclamar e, se possível, até sentindo alegria por sofrer horrores e agradecer a Deus pela desgraça obtida.
Quando se fala em lobos vestindo em peles de cordeiros, não estamos falando em lobos vestindo peles de lobos. Assim que o pior reacionário não é o bolsonarista ou o neopentecostal, mas o conservador austero mas com olhar suave e discurso dócil cujas palavras têm sabor de mel, mas, bem analisadas, são cortantes como um punhal bem afiado, que ferem corações depois que essas palavras falsamente lindas enganaram as almas desprevenidas que se comoveram com tais mensagens sutilmente traiçoeiras.
O conservador austero se esconde sob os paletós azuis de Lula, que se vendeu para aqueles que sabotaram seus dois mandatos anteriores, estando definitivamente integrado a essa elite da direita que se julga “democrática” e “socialmente responsável”. A velha ordem social precisa sobreviver bancando a boazinha, se passando por progressista e jogando suas atrocidades para debaixo do tapete. Ela não quer que você saiba o que essa aristocracia fez no verão passado, daí a patrulha dos negacionistas factuais, espécie de “Monark do bem”. Monark, no sentido Bruno Aiub do termo.
O Espiritismo brasileiro, que é o Catolicismo medieval redivivo sob o rótulo de “ecumenismo futurista”, é, portanto, uma embalagem nova para um produto podre, um fruto apodrecido há, pelo menos, nove séculos. Essa religião engana perigosamente as pessoas por conta de seu discurso suave, que contrasta com os gritos e berros dos neopentecostais.
Daí que o raciocínio algorítmico de grande parte dos brasileiros médios não vê um pingo de perigo nos pregadores “espíritas” sobretudo os “médiuns” que, usando de forma farsante as identidades de pessoas mortas, tentam convencer, através dessa carteirada “paranormal”, da pretensa superioridade de suas ideias medievais, próprias do século 12.
Saindo da zona de conforto algorítmica das aparências e dos estereótipos, o Espiritismo brasileiro é traiçoeiro por levar ao paroxismo a Teologia do Sofrimento, nunca de forma assumida. Afinal, o predador não se ostenta como tal, para atrair suas vítimas e mesmo um jacaré se esconde para devorar os animais que pretende atrair.
As piores armadilhas são as mais sutis. Os piores mentirosos não são aqueles que dizem “Cuidado que eu minto”, mas aqueles que capricham para tornar uma mentira parecida com a verdade. Daí as psicografakes que são feitas caprichando nas “mensagens de amor”, no “bombardeio de amor” de uma falsa beleza que só encanta os ressentidos que se tornam reféns de sua própria mediocridade.
O pior é que esse moralismo religioso, ao mesmo tempo punitivista e meritocrático, é também hipócrita. Conservador, se vende como progressista. Medieval, se passa por futurista. Fundamentado pela Teologia do Sofrimento, se esconde num falso rótulo de Teologia da Libertação que não consegue se colar neste invólucro, se soltando em poucos minutos.
E o pior é que seus pregadores caem em contradição. No primeiro momento, são taxativos ao dizer que a pessoa tem que sofrer, pagar dívidas morais de alguma vida passada, que isso é inevitável e qualquer arrependimento é inútil. Mas, no segundo momento, quando esses pregadores são acusados de cruéis ou conservadores, eles se acovardam e, no lugar da antiga firmeza na fala, há um relato medroso dizendo que “ninguém quis que você fique no sofrimento”, criando desculpas.
Esses pregadores são desmascarados em suas contradições. No fundo, eles querem que haja gente sofrendo para se promoverem com seu “altruísmo de resultados”, mascarando suas ambições terrenas com uma falsa generosidade, feita mais para obter aplausos da sociedade e, quem sabe, tesouros volumosos no além-túmulo. E fazem isso achando que pimenta nos olhos dos outros é refresco, bastando só acrescentar água com açúcar diante dessa ardência.
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