Pular para o conteúdo principal

AINDA SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE "FUNK" E MÍDIA HEGEMÔNICA

HUBERT ARANHA E HÉLIO DE LA PEÑA, DO CASSETA & PLANETA, INTERPRETANDO OS FUNQUEIROS MC FERROW E MC DEUMAL.

Repercutiu bem o texto que escrevi sobre as relações entre "funk" e mídia hegemônica.

É algo que observava há tempos, já desde 2003, quando interesses comerciais empurraram o DJ Marlboro para o Tim Festival, evento então considerado de cultura alternativa.

O "funk" sempre foi comercial, hipermidiático e hipermassificado.

Ele foi condicionado pelos valores difundidos pela mídia hegemônica, sendo, portanto, filho dela.

Mas o "funk" partiu por caminhos tendenciosos, depois que o jornalista Tim Lopes morreu.

O grande problema é que o "funk" fez más escolhas.

Primeiro, aboliu a figura do músico, reduziu-se a um karaokê e restringiu-se à dicotomia DJ e MC, às vezes com dançarinos. Músicos, nem em sonhos!

Tornou-se, portanto, um ritmo dançante e ultracomercial, com todo o seu rigor estético nivelado por baixo.

Nem no rock e nem no samba era assim.

No rock, havia desde o começo um instrumental primário, mas razoavelmente elaborado, e eventual acompanhamento de metais e, às vezes, de cordas.

Quando o samba era alvo de repressões policiais, episódio que muitos comparam ao "funk" de hoje, os batuques não só eram acompanhados de instrumentos como violão, cavaquinho e banjo, como já havia uma derivação chamada chorinho.

O "funk" ganhou estas aspas para se diferir do funk autêntico. Se bem que, durante muito tempo, o "funk" era chamado de rap, até que o hip hop passasse a ter uma cena forte no Brasil.

O funk autêntico tinha uma forte estrutura instrumental, grandes cantores, era marcado por melodias e ritmos intensos e não raro era acompanhado de grande orquestra.

Mas aí no Brasil tudo isso foi jogado fora e criou-se um ritmo simplório, que se preocupava quase sempre em parodiar cantigas de roda.

Naqueles tempos, começo da década de 1990, isso era risível. Mas seus intérpretes, hoje, exigem o mesmo tratamento que se dá a um Bob Dylan, por exemplo.

O que era funk, sem aspas, tornou-se simplório no Brasil. Nem a desculpa de sonoridade eletrônica procede, porque no caso de Afrika Bambattaa, lá nos EUA, havia instrumentistas, ao menos, tecladistas.

Só que o "funk" virou um pop comercial simplório para depois criar um discurso arrivista.

Primeiro promoveu um retrocesso sonoro para depois se vender pela falsa imagem de "vanguarda" e "esquerdismo".

Esse discurso veio depois de Tim Lopes e foi empurrado para as esquerdas em 2005, de uma maneira muito, muito estranha.

Afinal, o "funk" havia marcado sua onipresença em tudo quanto era veículo, produto e atração das Organizações Globo.

Do contrário que muitos tentam argumentar, a presença do "funk" na Globo não era apropriação desta àquele e nem um enfrentamento daquele a esta.

Havia muita complicidade. Se fosse questão de apropriação ou enfrentamento, os espaços do "funk" não seriam tantos assim.

Bastava uns programas da Rede Globo, umas páginas em O Globo, Época e Quem Acontece, e pronto.

Mas não. O "funk" aparecia em tudo, como se fosse um mantra hipnótico.

A ideia é botar o "funk" na cabeça do espectador de tal forma que ele pensasse que o ritmo surgiu pelo ar que respiramos.

A Globo tem essa perigosa habilidade: é capaz de influenciar uma boa parcela de seus detratores, que assimilam gírias, hábitos, músicas, vestuários, comportamentos sem perceber.

Na difusão do "funk" como um pretenso vanguardismo, a Globo foi o coração e a Folha de São Paulo foi o cérebro.

Não devemos esquecer que a Furacão 2000, que comandou aquele estranho evento de Copacabana no 17 de Abril de 2016, nomeou ninguém menos que Luciano Huck para "embaixador do funk".

O evento fez mais barulho por causa do "funk", ofuscou as esquerdas e a barulheira soou como música para os deputados que gritaram "SIM" contra Dilma Rousseff, na noite daquele domingo.

O "funk" garantiu o sono tranquilo naquela sessão comandada por Eduardo Cunha.

O "funk" sempre abordou de forma espetacularizada as classes pobres, mas infelizmente não temos um equivalente a Umberto Eco, Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu ou principalmente Guy Debord no Brasil para analisar a "sociedade do espetáculo".

O que prevaleceu no Brasil é a intelectualidade "bacana", apologista até às piores armadilhas da indústria cultural.

Quanto ao pretenso esquerdismo, será que o "funk" aliciou as esquerdas para que nenhum jornalista investigativo averiguasse os bastidores do "funk"?

E o que dizer do pessoal que apoiou o "funk" e integra a direita midiático-cultural: Luciano Huck, Angélica, Danilo Gentili, Alexandre Frota, Suzana Vieira, Casseta & Planeta, Ana Maria Braga, Xuxa Meneghel?

E o apoio dos dirigentes esportivos e do mercado ao "funk"? E os patrocinadores do Eu Amo Baile Funk, tão "escondidos" quanto os do filme sobre a Operação Lava Jato, ambos também apoiados pela Rede Globo?

Ou então jornalistas como Gilberto Dimenstein, Pedro Bial, William Waack e um Nelson Motta entrosado no Instituto Millenium?

E Lobão, que já no fervor de seu reacionarismo disse que o "funk" tinha mais "paudurescência" que o Rock Brasil, já na época em que o ex-Vímana "descobriu" Olavo de Carvalho?

E a incoerência de Bruno Ramos, da Liga do Funk, fazendo ataques forçados às Organizações Globo, enquanto o G1, da mesma empresa, faz matéria elogiosa sobre a instituição funqueira?

E, na revista Veja que hostiliza os movimentos sociais, matéria e capa elogiosas a MC Guimê e o "funk ostentação"?

Outra coisa é que as esquerdas acabaram surdas aos apelos de Leonel Brizola sobre a Globo, no caso do "funk".

Brizola disse que, para entender a realidade, basta interpretar de forma oposta o que a Globo veicula.

A Globo apoiava o "funk" e o difundia em tudo quanto era veículo e atração. Mas as esquerdas corroboraram a abordagem da corporação da família Marinho.

O grande receio é que o "funk" pode ser o último grande desembarque da "base aliada" sócio-política que apoiava os governos do PT, quando não houver mais chance de Lula voltar ao poder e abastecer os funqueiros com as verbas da Lei Rouanet.

Prefiro ser realista a respeito de Lula e estar cético sobre sua volta à Presidência da República, pela violenta pressão que recebe das elites sob o patrocínio dos EUA.

Com a plutocracia se firmando no poder em 2018-2019, o "funk" não vai ficar chorando ao lado dos esquerdistas derrotados.

Os funqueiros irão deixar as esquerdas para lá e comemorarem suas vitórias nos palcos da mídia hegemônica. Como sempre aconteceu, mesmo sob os governos do PT.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESQUISISMO E RELATORISMO

As mais recentes queixas a respeito do governo Lula ficam por conta do “pesquisismo”, a mania de fazer avaliações precipitadas do atual mandato do presidente brasileiro, toda quinzena, por vários institutos amigos do petista. O pesquisismo são avaliações constantes, frequentes e que servem mais de propaganda do governo do que de diagnóstico. Pesquisas de avaliação a todo momento, em muitos casos antecipando prematuramente a reeleição de Lula, com projeções de concorrentes aqui e ali, indo de Michelle Bolsonaro a Ciro Gomes. Somente de um mês para cá, as supostas pesquisas de opinião apontavam queda de popularidade de Lula, e isso se deu porque os próprios institutos foram criticados por serem “chapa branca” e deles se foi cobrada alguma objetividade na abordagem, mesmo diante de métodos e processos de pesquisa bastante duvidosos. Mas temos também outro vício do governo Lula, que ninguém fala: o “relatorismo”. Chama-se de relatorismo essa mania de divulgar relatórios fantásticos sobre s...

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

A PRISÃO DE MC POZE E O VELHO VITIMISMO DO “FUNK”

A prisão do funqueiro e um dos precursores do trap brasileiro, o carioca MC Poze do Rodo, na madrugada de ontem no Rio de Janeiro, reativou mais uma vez o discurso vitimista que o “funk” utiliza para se promover. O funqueiro, cujo nome de batismo é Marlon Brandon Coelho Couto Silva, e que já deixou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes para ir a um presídio no bairro carioca de Benfica, tem entre o público da Geração Z e das esquerdas identitárias a reputação que Renato Russo teve entre o público de rock dos anos 1980, embora o MC não tenha 0,000001% do talento, pois se envolve em um ritmo marcado pela mais profunda precarização artístico-cultural. No entanto, MC Poze do Rodo foi detido por acusações de apologia ao crime organizado, ao porte ilegal de armas e à violência. Em várias vezes, Poze aparecia com armas nas fotos das redes sociais, o que poderia sugerir um funqueiro bolsonarista em potencial. A polícia do Rio de Janeiro enviou o seguinte comunicado:: “De acordo com as inves...

O ATRASO CULTURAL OCULTO DA GERAÇÃO Z

Fico pasmo quando leio pessoas passando pano no culturalismo pós-1989, em maioria confuso e extremamente pragmático, como se alguém pudesse ver uma espessa cabeleira em uma casca de um ovo. Não me considero careta e, apesar dos meus 54 anos de idade, prefiro ir a um Lollapalooza do que a um baile de gala. Tenho uma bagagem cultural maior do que mimha idade sugere, pelas visões de mundo que tenho, até parece que sou um cidadão mediano de 66 anos. Mas minha jovialidade, por incrível que pareça, está mais para um rapazinho de 26 anos. Dito isso, me preocupa a existência de ídolos musicais confusos, que atiram para todos os lados, entre um roquinho mais pop e um som dançante mais eroticamente provocativo, e no meio do caminho entre guitarras elétricas e sintetizadores, há momentos pretensamente acústicos. Nem preciso dizer nomes, mas a atual cena pop é confusa, pois é feita por uma geração que ouviu ao mesmo tempo Madonna e AC/DC, Britney Spears e Nirvana, Backstreet Boys e Soundgarden. Da...

LÉO LINS E A DECADÊNCIA DE HUMORISTAS E INFLUENCIADORES

LÉO LINS, CONDENADO A OITO ANOS DE PRISÃO E MULTA DE MAIS DE R$ 300 MIL POR CONTA DE PIADAS OFENSIVAS. Na semana passada, a Justiça Federal, através da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou o humorista Léo Lins a oito anos de prisão, três deles em regime inicialmente fechado, e multa no valor de R$ 306 mil por fazer piadas ofensivas contra grupos minoritários.  Só para sentir a gravidade do caso, uma das piadas sugere uma sutil apologia ao feminicídio: "Feminista boa é feminista calada. Ou morta". Em outra piada machista, Léo disse: "Às vezes, a mulher só entende no tapa. E se não entender, é porque apanhou pouco". Léo também fez piadas agredindo negros, a comunidade LGBTQIA+, pessoas com HIV, indígenas, evangélicos, pessoas com deficiência, obesos e nordestinos, entre outros. O vídeo que inspirou a elaboração da sentença foi o espetáculo Perturbador, um vídeo gravado em 2022 no qual Léo faz uma série de comentários ofensivos. Os defensores de Léo dizem qu...

ELITE DO BOM ATRASO PIROU NAS REDES SOCIAIS

A BURGUESIA DE CHINELOS NÃO QUER OUTRO CANDIDATO EM 2026. SÓ QUER LULA. A elite do bom atraso, a “frente ampla” social que vai do “pobre de novela” - tipo que explicaremos em outra postagem - ao famoso muito rico, mas que inclui também a pequena burguesia e a parcela “legal” da alta burguesia, enlouqueceu nas redes sociais, exaltando o medíocre governo Lula e somente desejando ele para a Presidência da República na próxima eleição. Preso a estereótipos que deixaram de fazer sentido na realidade, como governar para os pobres e deixar a classe média abastada em segundo plano, Lula na prática expressa um peleguismo que é facilmente reconhecido por proletários, camponeses, sem-teto e servidores públicos, que veem o quanto o presidente “quer, mas não quer muito” trabalhar para o bem-estar dos brasileiros. Lula tem como o maior de seus inúmeros erros o de tratar a reconstrução do Brasil como se fosse uma festa. Esse problema, é claro, não é percebido pela delirante elite do bom atraso que, h...

GOVERNO LULA AGRAVA SUA CRISE

INDICADO POR LULA PARA O BANCO CENTRAL, GABRIEL GALÍPOLO PREFERIU MANTER OS JUROS ALTOS "POR MUITO TEMPO". Enquanto o governo Lula limita gastos mensais com universidades federais, a farra das ONGs nas ditas “emendas parlamentares” é de R$ 274 milhões. Na viagem para a China, Lula é acusado de gastar café com valor equivalente a R$ 56 e de conprar um terno no valor equivalente a R$ 850. Quanto às universidades públicas, a renomada Academia Brasileira de Ciências acusa o governo Lula de desmontar as instituições de ensino superior público através desses cortes financeiros. Lulistas blindam Janja quando ela quebrou o protocolo da conversa entre o marido e o presidente chinês Xi Jinping, para falar de sua preocupação com o Tik Tok. Em compensação, Lula não cumpriu a promessa de implantar o Plano Nacional de Transição Energética, que iria tirar o Brasil da dependência de combustível fóssil. Mas o presidente ainda quer devastar a Amazônia Equatorial para extrair mais petróleo. Lul...

QUANDO A CAPRICHO QUER PARECER A ROCK BRIGADE

Até se admite que o departamento de Jornalismo das rádios comerciais ditas “de rock” é esforçado e tenta mostrar serviço. Mas nem de longe isso pode representar um diferencial para as tais “rádios rock”, por mais que haja alguma competência no trabalho de seus repórteres. A gente vê o contraste que existe nessas rádios. Na programação diária, que ocupa a manhã, a tarde e o começo da noite, elas operam como rádios pop convencionais, por mais que a vinheta estilo “voz de sapo” tente coaxar a palavra “rock”. O repertório é hit-parade, com medalhões ou nomes comerciais, e nem de longe oferecem o básico para o público iniciante de rock. Para piorar, tem aquele papo furado de que as “rádios rock” não tocam só os “clássicos”, mas também as “novidades”. Papo puramente imbecil. É aquela coisa da padaria dizer que não vende somente salgados, mas também os doces. Que diferença isso faz? O endeusamento, ou mesmo as passagens de pano, da imprensa especializada às rádios comerciais “de rock” se deve...

A ILUSÃO DE QUERER PARECER O “MAIS LEGAL DO PLANETA”

Um dos legados do Brasil de Lula 3.0 está na felicidade tóxica de uma parcela de privilegiados. A obsessão de uns poucos bem-nascidos em parecer “gente legal”, em atrair apoio social, os faz até manipular a carteirada para cima e para baixo, entre um sentimento de orgulho aqui e uma falsa modéstia ali, sempre procurando mascarar a hipocrisia que não consegue se ocultar nas mentes dessas pessoas. Com a patrulha dos negacionistas factuais, “isentões” designados para promover o boicote ao pensamento crítico nas redes sociais, a “boa” sociedade que é a elite do bom atraso precisa parecer, aos olhos dos outros, as mais positivas possíveis, daí o esforço desesperado para criar um ambiente de conformidade e até de conformismo, sobretudo pela perigosa ilusão de acreditar que o futuro do Brasil será conduzido por um idoso de 80 anos. Quando ouvimos falar de períodos de supostas regeneração e glorificação do “povo brasileiro”, nos animamos no primeiro momento, achando que agora o Brasil será a n...

APOIO DAS ESQUERDAS AO "FUNK" ABRIU CAMINHO PARA O GOLPE DE 2016

MC POZE DO RODO, COM SEU CARRO LAMBORGHINI AVALIADO EM TRÊS MILHÕES DE REAIS. A choradeira das esquerdas médias diante da prisão de MC Poze do Rodo tenta reviver um hábito contraído há 20 anos, quando o esquerdismo passou a endossar o discurso fabricado pela Rede Globo e pela Folha de São Paulo para "socializar" o "funk", um dos ritmos do comercialismo brega-popularesco que passou a blindar por uma elite de intelectuais sob inspiração do antigo IPES-IBAD, só que sob uma retórica "pós-tropicalista". A revolta contra a prisão do funqueiro e alegações clichês como "criminalização da cultura" e "realidade da favela" feita por parlamentares e jornalistas da mídia esquerdista se tornam bastante vergonhosas e, em muitos casos, descontextualizada com a real preocupação com as classes pobres da vida real, que em nenhum momento são representadas ou se identificam com o "funk" ou o trap. O "funk" e o trap apenas falam sobre o ...