No mais típico estilo "faço de conta que aquele ritmo comercial é o novo folclore", o colunista do UOL, Chico Barney, comparou o funqueiro MC Kevinho ao falecido Chico Science, o artista, pesquisador e agitador cultural do mangue beat.
MC Kevinho é um dos nomes do chamado "funk ostentação", a cena paulista do gênero, divulgado pelo canal Kondzilla.
Menos, menos, Chico Barney. Se o colunista diz que adorou MC Kevinho, tudo bem, mas daí a fazer exageros sem sentido, não.
Mas, paciência. O colunista segue aquele estado de espírito da Folha de São Paulo, de Otávio Frias Filho, que sempre queria que a música comercial e "popular demais" fosse tratada como "relíquia".
A retórica que conhecemos hoje sobre o "funk" pode ter sido difundida pelas Organizações Globo, decisiva na popularização do gênero.
Mas aquele discurso de "ativismo", "vanguarda cultural" ou até mesmo "esquerdismo" foi concebido pela Folha de São Paulo.
Como intelectual orgânico, Tavinho Frias pensava que a mídia venal não poderia ficar atirando contra as esquerdas o tempo todo.
As esquerdas tinham que receber o seu Cavalo de Troia. Este cavalo é o "funk".
A receita ideológica foi bolada pela Folha: pretensa etnografia, pretenso vanguardismo, pretenso esquerdismo.
O que a Globo fez foi pegar a receita e "fazer o bolo", divulgando o "funk" em tudo quanto é veículo e atração.
Veículos dos mais diversos da corporação dos Marinho, como a revista Quem Acontece e o canal educativo Futura, para não dizer a própria Rede Globo, faziam apologia ao "funk".
Até personagens do Casseta & Planeta, MC Ferrow e MC Deu Mal, foram criados como "escada" para os ídolos funqueiros passarem uma imagem "superior".
Atores que, em 2016, passaram a fazer campanha contra Dilma Rousseff, anos antes haviam feito campanha entusiasmada em favor do "funk".
Quem lê este blogue sabe que a atitude "solidária" da Furacão 2000 em fazer um "baile funk" em pleno protesto de Copacabana, em 17 de abril do ano passado, foi uma farsa.
A festa abafou o sentido da manifestação, em solidariedade a Dilma Rousseff, que teria depois, naquele dia, a amarga sina da abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados.
O barulho do "funk" foi grande demais para que o "Fica Dilma" pudesse ser ouvido.
As esquerdas não entenderam o que estava por trás da intervenção de Rômulo Costa, que nunca foi uma figura que pudesse dar alguma contribuição ao esquerdismo.
A realidade é que o "funk", cria da mídia venal, também tem seus voos tucanos.
Artistas de música brasileira que apoiaram o "funk", como Fernanda Abreu e Sandra de Sá, foram vistos num vídeo de 2014 apoiando o então candidato à presidência da República, Aécio Neves.
Mas em 2010, conforme foi noticiado recentemente, o então governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, e sua então esposa, Sheridan Oliveira, ambos do PSDB, foram acusados de usar o avião do governo para transportar o funqueiro MC Sapão.
O funqueiro foi para Roraima para a festa de aniversário de Sheridan, hoje separada do marido e atualmente deputada federal pelo Estado.
Sheridan votou SIM para o processo de abertura do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Funqueiros são convidados para animarem festas de aniversário de gente rica.
Não há como separar, aqui, o "funqueiro de esquerda" e o "funqueiro de direita", porque o próprio "funk" se anuncia como um movimento unificado.
E todos vão com gosto para os palcos da mídia hegemônica e para a alta sociedade.
Recentemente, MC Pikeno, outro nome do "funk ostentação" que havia se apresentado na Roda de Funk, evento organizado pela APAFUNK, animou o aniversário de João Dória Neto.
Este rapaz, conhecido como Johnny, é ninguém menos que o filho do prefeito de São Paulo, João Dória Jr., que articula sutilmente sua corrida ao Palácio do Planalto, causando preocupação no seu padrinho político, Geraldo Alckmin, que cobiça a Presidência da República.
O que o "funk", que muita gente acredita ser a forma brasileira do "bolivarianismo guevarista", faz animando festas de familiares de tucanos, é algo fácil de explicar.
Não para as esquerdas médias que, às vezes, contraem até o sotaque de Luciano Huck e alguns cacoetes culturais pegos vendo emissoras da TV aberta.
Só que o "funk" apareceu em tudo quanto era atração da Globo. Estava claro, visto em rede nacional, disponível na Internet!
Só faltava o William Bonner fazer a dança do passinho.
O "funk" trabalha a imagem espetacularizada do povo pobre. Isso é fato.
O "funk" surgiu de uma nivelação por baixo que partiu de interesses arrivistas de uma parcela de DJs.
A palavra funk era associada a um ritmo marcado por forte instrumental musical, ritmos e melodias de impacto, bons cantores.
Até o funk autêntico eletrônico não dispensava os músicos. Afrika Bambattaa é um músico, ele não sampleou Kraftwerk, tocou os acordes de "Trans-Europe Express" dentro de "Planet Rock".
O "funk carioca", no entanto, reduziu-se a um karaokê. Isso é fato. Uma mesma batida para vários MCs, com o mesmo som sendo feito em quinze anos, independente do intérprete.
O ritmo só variava a batida e os elementos sonoros visando interesses de mercado: turismo, agrados a intelectuais estrangeiros, novidade na mídia, verbas da Lei Rouanet etc.
O falso esquerdismo do "funk" foi visando as verbas estatais do PT.
Daí que a coisa esfriou quando o governo Dilma foi embora. Se bem que o "funk" nem precisa de Lei Rouanet, com tantas empresas, inclusive estrangeiras, o patrocinando.
E não se fala de George Soros, Irmãos Koch, Fundação Ford dando grana para instituições que apoiam o "funk".
Até o evento Eu Amo Baile Funk é patrocinado por grandes empresas, inclusive a Rede Globo e o império de bebidas de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil.
Só que admitir isso não soa bonito dentro do discurso "social" do "funk".
O "funk" precisa esconder seus vínculos com o poder econômico e midiático. Mas, eventualmente, sempre acaba vazando alguma coisa desse vínculo.
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