As pessoas ouvem os chamados "sucessos do povão" porque gostam, certo?
Errado. Observando bem as coisas, elas refletem, na verdade, o poder midiático exercido não apenas por emissoras de rádio e TV ou das redes sociais, mas também de estabelecimentos do comércio.
O "livre gosto popular" não é livre, se observarmos quem é que difunde as canções "populares demais" que haviam sido blindadas, até pouco tempo atrás, pela intelectualidade "bacana".
Nos primórdios da música cafona, as rádios AM regionais, controladas pelo poder oligárquico local, expressavam seu poder oculto pelo imaginário coletivo.
Os serviços de auto-falantes eram também expressão desse poder, mas dava a impressão de que os sucessos musicais vinham pelo ar que respiramos.
Já as rádios de São Paulo que projetaram, em caráter nacional, os "sucessos do povão", refletiam o poder dos donos dessas emissoras, uma meia-dúzia que "loteava" as altas posições do Ibope.
Poucos imaginam também a influência que, no período ditatorial, as grandes redes de TV tiveram, como TV Tupi, TV Record, TV Bandeirantes e, mais tarde, TV Studios / SBT e Rede TV!.
A TV Tupi primeiro formatou a bregalização cultural, seguido pelas demais emissoras. As aventuras emepebistas da TV Record eram coisa do passado.
No livro Eu Não Sou Cachorro Não, de Paulo César de Araújo, há a versão oficial de que, com o AI-5, a música cafona foi acionada para combater a ditadura militar.
Esta versão é muito agradável, mas está fora da realidade.
Como um Sérgio Moro da historiografia musical, Paulo César de Araújo queria interpretar a História da MPB a partir de suas convicções pessoais.
Esquece ele que é fato que os ídolos cafonas eram conservadores e, mesmo despolitizados, nunca representaram ameaça à ditadura militar.
Além disso, as rádios que mais tocaram os ídolos cafonas apoiavam a ditadura militar.
A adesão da Rede Globo à bregalização cultural se deu tardiamente, em 1985, através da máquina de fazer sucesso de Michael Sullivan e Paulo Massadas.
Os problemas desse esquema, que valeu, duas décadas depois, o coitadismo de Sullivan, foram denunciados por Alceu Valença, recentemente.
O "popular demais" ganhou uma forcinha dos oligarcas políticos Antônio Carlos Magalhães e José Sarney que fizeram uma farra de concessões de rádio e TV.
Foram concessões de rádio, sobretudo FM, e televisão, que nos anos 90 refletiram no "popular demais" que refletia o poder oligárquico de "executivos" incompetentes.
A chamada música das classes populares foi privatizada, reduziu-se a um comercialismo rasteiro e, no lugar dos grandes artistas, o povo pobre passou a ter apenas fetiches e subcelebridades musicais.
O poder da Rede Globo também se manifestou nos anos 90 quando tentou "emepebizar" os neo-bregas da Era Collor.
Era uma forma de tornar a MPB refém da bregalização, com os "pagodeiros" e "sertanejos" dos tempos colloridos gravando covers emepebistas com a desenvoltura canastrona de calouros de reality shows musicais.
E depois até as Lojas Americanas, já adquiridas pelo grupo estadunidense Wal-Mart, passaram a exercer esse poder empurrando modismos musicais para seus frequentadores.
Na imprensa, o poder também se manifesta em veículos que vão da revista Caras ao jornal carioca O Dia.
A intelectualidade "bacana", no entanto, quando entrou em ação a música brega-popularesca, ou Música de Cabresto Brasileira, divulgava suas novas levas de ídolos pelo YouTube.
Dava a falsa impressão de que o brega-popularesco virou uma cultura indie ou alternativa.
Engano. Os canais do YouTube eram das empresas que contratavam tais "artistas".
Mas se, diante do proselitismo insistente da intelligentzia, muitos acreditavam que até a Som Livre, braço fonográfico das Organizações Globo, era uma gravadora independente.
O que se vê, diante de tantas citações, é que aquele discurso de que o "popular demais" era "espontâneo" e representava uma "ampla liberdade" não passa de propaganda enganosa.
As pessoas não acabam ouvindo os "sucessos do povão" porque são legais.
Elas acabam ouvindo pela associação às fontes midiáticas das quais conheceram seus ídolos.
Sejam as fontes o Domingão do Faustão da Rede Globo, o Caderno D de O Dia, a FM "mais popular" de uma região ou o que toca nas filiais das Lojas Americanas numa cidade.
Portanto, o "popular demais" é expressão do poder midiático que divulga seus ídolos, bem mais do que o pretenso vínculo às chamadas periferias.
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