Demorei a escrever sobre a greve dos caminhoneiros porque preferi acompanhar os noticiários.
Ontem à noite governo e a referida categoria profissional entraram em acordo para suspender a greve, pelo menos por 15 dias, e criou-se uma promessa de encerrar a paralização hoje.
Aparentemente, até a edição deste texto, os protestos continuam.
O assunto é muito complexo, a manifestação, repentina, e os efeitos ainda mais complicados do que se imagina.
O protesto, por incrível que pareça, não é para derrubar o governo Michel Temer, mas para, entre outras coisas, abater as alíquotas do óleo diesel.
O movimento instabilizou de forma grave o país. Mas de maneira tão complexa que eu esperei os fatos ocorrerem para eu escrever a respeito.
O fato é comparável, em impacto, ao das manifestações de junho de 2013.
Estas manifestações de cinco anos atrás foram polêmicas. Consta-se que elas impulsionaram o golpe de 2016, mas acredito que, em primeiro momento, elas estavam realmente acima de ideologias e classes sociais.
O problema é que, em 2014, o protesto acabou sendo conduzido à direita e em 2015 já estava orientado para pedir a saída de Dilma Rousseff.
Isso foi ajudado por movimentos estranhos como o surgimento de grupos como o Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua e os rolezinhos do "funk ostentação".
O "funk", no seu todo, serviu de "cavalo de Troia" para as esquerdas, como foi Cabo Anselmo em 1963-1964.
Foi uma espécie de falsa solidariedade, com uma retórica bem armada "em favor dos excluídos", mas com um discurso explosivo demais para ser considerado progressista.
Afinal, não se trata de um discurso como vemos no ex-presidente Lula, enérgico, mas consistente, coeso e genuinamente progressista, com mais conteúdo e menos frases de efeito.
Difícil ver Bruno Ramos, da Liga do Funk, falando, e não reconhecer semelhanças com Cabo Anselmo há 55 anos.
Difícil ler MC Leonardo, da APAFUNK, em seus artigos e não ver neles arremedos de ativismo comunitário que mais parecem orientados pelos think tanks de Washington.
O apoio das Organizações Globo ao "funk" faz com que a postura pretensamente anti-Globo dos simpatizantes do ritmo soasse, na melhor das hipóteses, bastante patética e infeliz.
O "funk" se faz de aliado, mas apunhala as forças progressistas pelas costas e comemora seus feitos nos palcos e cenários da mídia venal.
Isso não é questão de enfrentamento, por parte de funqueiros, nem de apropriação, por parte dos barões da grande mídia. É questão de clara cumplicidade entre ambos os entes, os fatos confirmam isso.
Aí vemos esses movimentos "da periferia" fazendo apologia da pobreza, defendendo valores machistas com falácias de falso feminismo - na verdade, as funqueiras defendem um "machismo sem homens", com o direito de sacudirem os glúteos nas caras dos fãs - e vemos no que se deu.
O excesso de glúteos empinados de musas de banheira, popozudas, peladonas, mulheres-frutas, musas do Brasileirão etc ajudou a derrubar Dilma e colocar no Planalto um casal ao modo das aristocracias rurais do século XIX, Michel Temer e Marcela, com idade para ser sua neta.
Dito isso, voltamos para o caso dos caminhoneiros, que parece ser um quase reboot dos movimentos de rua de 2013, não pelo significante, bastante diferente, mas pelo significado.
Afinal, a princípio a greve dos caminhoneiros tem em comum os mesmos elementos dos protestos de junho de 2013: um aparato de independência ideológica e um potencial conservador.
Só que os contextos são diferentes.
No caso de junho de 2013, havia uma independência ideológica e de classe econômica, mas depois ela sucumbiu a um viés elitista e conservador.
Já no caso dos caminhoneiros, desconfia-se que a manifestação predomina o locaute, que é uma espécie de "greve" onde os patrões usam os trabalhadores para defender os interesses daqueles.
Consta-se que existem manifestações legitimamente proletárias, mas elas são minoria.
A base do protesto seria mesmo organizada pelos patrões aos quais os caminhoneiros prestam serviço distribuindo os mais diversos produtos e bens.
A aparente greve, portanto, estaria causando incômodos muito mais graves do que se pode imaginar.
Sem a renovação dos estoques, os produtos estão sumindo das prateleiras.
Sem combustível, o transporte público diminui a oferta de veículos para transportar a população.
Várias atividades, dos mais diversos setores, acabam sendo prejudicadas. Nem a revista Época escapou do atraso da impressão da edição de 20 anos da publicação das Organizações Globo.
Fora a greve dos caminhoneiros, a semana teve também a desistência oficial de Michel Temer em querer ser candidato a um novo mandato no Governo Federal.
Muito coerente: seria um tiro no pé, Temer, que foi ostensivamente vaiado quando foi ao Largo do Paissandu, em São Paulo, poderia ser vergonhosamente humilhado nas urnas.
Mas os bastidores da vida política mostram um trabalho ainda mais assustador.
O vice-prefeito do Rio de Janeiro, Fernando MacDowell, que prometia devolver as identidades visuais dos ônibus municipais cariocas, faleceu, e nenhum sucessor deixou para realizar o desejo.
Aí continua o esconde-esconde das empresas de ônibus à população, com pintura toda igualzinha, aumentando a corrupção político-empresarial, eliminando a transparência do serviço, sucateando as frotas, confundindo os passageiros na hora do ir e vir e ferindo ou matando dezenas deles.
E isso continuará, impulsionado pelo "requentamento" de sistema semelhante de serviço de ônibus, por sinal piorado pelas mãos, justamente, do elitista e antissocial João Dória Jr., em seus últimos atos como prefeito de São Paulo.
No Congresso Nacional, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou regras que autorizam eleição indireta no caso de vaga de presidente e vice-presidente da República, nos dois últimos anos de mandato antes das eleições.
Aparentemente, essa hipótese não acontece porque, se Temer deixar o mandato, digamos, hoje, seriam apenas pouco mais de seis meses antes do dia das votações.
Mas como as leis podem ser interpretadas de maneira míope, como no caso da condenação por segunda instância, nada impede que a sociedade derrube Temer e as eleições diretas sejam canceladas, impondo-se as eleições diretas.
Em outras palavras, a manobra sombria autoriza o Congresso Nacional a eleger um presidente, à revelia da vontade popular.
Ou seja, por essa interpretação, a manifestação dos caminhoneiros pode resultar num cenário ainda mais sombrio, como no caso dos protestos de junho de 2013 que foram "desviados à direita".
Hoje temos uma catarse juvenil (!) pedindo intervenção militar e aderindo automaticamente a qualquer aventureiro autoritário que deseje arruinar o país sob a desculpa de "manter a ordem".
Gente que, para ver Jair Bolsonaro, se gaba em dizer que "veio de graça" (na verdade, pagaram viagens e demais despesas para os seguidores verem seu ídolo) e que, se ele chegar ao poder, só vai mesmo receber as migalhas como prêmio de tão persistente apoio.
A crise dos combustíveis, que impulsionou o protesto dos caminhoneiros, não se deu pela alegada corrupção da Petrobras.
Ela se deu pelas manobras para enfraquecer a empresa e abrir caminho para a venda gradual de reservas de petróleo e outros recursos minerais a empresas estrangeiras.
Foi isso que impulsionou o golpe político de 2016. E há indícios de que o que resta de pré-sal no Brasil será vendido, durante os jogos da Copa de 2018, para companhias estrangeiras, mesmo estatais, sob a desculpa de "permitir a competitividade".
Se o Brasil estava confuso antes do protesto dos caminhoneiros, a confusão tende a aumentar, devido a esse cenário tão voltado aos interesses elitistas.
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