No último dia 18, um atentado ocorrido na Santa Fe High School, em Santa Fé, no Estado do Texas, EUA, causou 10 mortes.
O atirador teria sido um jovem de 17 anos, Dimitrios Pagourtis, que teria feito a chacina porque ele não suportava mais sofrer gozações na sala de aula.
Pagourtis teria poupado as pessoas que ele gostava, para que elas contassem a história dele na posteridade. Ele foi detido.
Desde que houve o famoso atentado numa escola de Columbine, no Colorado, EUA, quando dois estudantes mataram 13 pessoas e depois se suicidaram, tais tragédias se tornaram uma triste rotina nos Estados Unidos.
Em várias delas, a motivação é o valentonismo (bullying).
São gozações pesadas por conta de aspectos estranhos de determinados adolescentes ou pré-adolescentes.
Não vamos defender os atiradores, que não deixam de terem cometido uma barbaridade reprovável em todos os sentidos, mas há um contexto que permitiu que eles agissem assim.
A partir dessas tragédias, a humilhação pesada sofrida pelos jovens passou a ser denominada bullying.
Chacinas e suicídios cometidos por vítimas desse ritual de humilhações chamou a atenção da opinião pública.
Até o Pearl Jam compôs uma música em homenagem a um suicida, "Jeremy", referente a Jeremy Wade Delle, que aos 16 anos, em 1991, cometeu suicídio em plena sala de aula.
O jovem teria sido problemático, mas também teria sido alvo de gozações das turmas da escola.
A prática de bullying é um problema subestimado no Brasil e visto como "brincadeirinha sem gravidade", e a expressão não tem uma tradução oficial em português.
Arrisco a denominar "valentonismo" como adaptação literal da palavra original, considerando que bully é "valentão" em inglês.
Vivemos num país em que os brasileiros tapam os ouvidos e os olhos para os próprios problemas.
É notório que postagens da Internet que falam desses problemas têm baixo nível de visita e precisam de muita divulgação no Twitter para que, pelo menos, alguém saiba da existência de um texto a respeito, mesmo que seja só para ler o título e o primeiro parágrafo.
A indiferença generalizada reflete no mercado literário: as obras mais vendidas são "analgésicas": auto-ajuda, religião, ficções de aventura, besteirol e até livros para colorir (?!).
As únicas obras ligadas ao Conhecimento que são vendidas se devem por dois aspectos: a visibilidade do autor (como Fernando Morais ou Jessé Souza) ou a obrigatoriedade acadêmica e profissional (ENEM, concursos públicos etc).
Neste contexto, os brasileiros ficam tão indiferentes aos próprios problemas que o poder midiático, infelizmente, é a única forma de despertá-los criando a consciência desses infortúnios.
Pode parecer um exagero, mas, por exemplo, no caso da falta de uma avenida própria em Niterói, entre os bairros de Rio do Ouro e Várzea das Moças, é preciso que um José Luiz Datena, lá de São Paulo, despertasse os niteroienses de tal necessidade.
Fala-se que a Rodovia RJ-106, no trecho niteroiense, é reduzida a uma "avenida de bairro", criando transtornos para o trânsito e afetando a Economia na Região dos Lagos, e o niteroiense médio fica na maior indiferença.
Mas se o Datena falar tudo que este blogue escreve, o niteroiense médio adere de vez e aí a Prefeitura de Niterói vai desapropriar as casas para a construção da Av. Rio do Ouro-Várzea das Moças (que ligaria a Rod. Pref. João Sampaio, RJ-100, à Av. Ewerton Xavier, RJ-108, evitando a RJ-106).
Infelizmente, é preciso uma carteirada para que se chame a atenção dos próprios problemas.
Daí que, de maneira insólita, o Brasil não tem uma tradução oficial para bullying, como se os brasileiros não tivessem problemas como os dos EUA.
Vou tentar difundir a expressão "valentonismo", sem ter um pingo da visibilidade de Luciano Huck que, juntamente com Tutinha, transformou um estranho jargão de jovens riquinhos paulistas, a gíria "balada" num jargão pretensamente "universal".
Mas num país em que a expressão "bicicleta", na contramão idiomática, ameaça dar lugar à forma inglesa bike, como alguém de baixa visibilidade irá transformar bullying na forma em português "valentonismo"?
Aqui temos, principalmente, o fenômeno recente do valentonismo digital (cyberbullying), uma coisa de uns quinze anos, pelo menos. Eu, pessoalmente, fui vítima de duas práticas desse tipo.
Essas práticas dão o tom frequentemente reacionário nas redes sociais. O valentonismo digital é uma espécie de "patrulha do estabelecido", voltado à defesa de valores, práticas e fenômenos retrógrados.
Ele se baseia em um "pacote" de práticas de humilhações pesadas, espécie de "assassinato de reputação" contra aqueles que discordam de certas visões e procedimentos "estabelecidos" na sociedade.
São geralmente visões da sociedade elitista, racista e machista, ou decisões tomadas pelos meios de Comunicação, pelo mercado e pelo poder político dominante.
Quem discorda dessas "novidades" sempre sofre um procedimento que, depois, se tornou mais conhecido ao atingir pessoas famosas e ativistas sócio-políticos.
Se dá assim: no começo, um espaço de mensagens, podendo ser fóruns, petições ou páginas de recados, é invadido por uma série de comentários irônicos em massa.
Neste caso o ritual de humilhações é combinado para dado horário por um ou dois membros valentões, um líder e um "braço-direito", com algum prestígio em comunidades nas redes sociais.
Há rumores que eles forçam outras pessoas inocentes a participarem, e se vê que nem todos que participam de tais humilhações são valentões de carteirinha. Há muita gente legal que vai, seja sob ameaças do valentão líder, seja pela boa fé pelo caráter supostamente divertido dele, que adere.
Os comentários são mais ou menos dessa natureza: "fulano acha que a nossa causa é decadente". Ironias diversas são difundidas usando essa ideia.
Os ataques em massa, depois, se tornam mais pesados. Até que um dos valentões venha com uma ameaça mais pesada, tipo invadir a conta da vítima ou ameaçá-la de morte.
Depois desses ataques, o líder geralmente monta um blogue ou fotologue usando do acervo pessoal da vítima (textos, fotos pessoais etc) para fins de calúnia e difamação.
Em seguida, se o líder conhecer a cidade onde mora a vítima, ele fará "visitas" para intimidá-la.
Só que, em certos casos, essas "visitas", como os blogues ofensivos, podem expor negativamente o valentão em questão.
O valentão, além disso, por algum imprevisto, pode se desentender com alguns amigos e até com seus aliados.
Pior. O valentão ainda poderá ser desprezado ou ralhado por aqueles que ele gostaria que prestassem apenas admiração.
Infelizmente, no Brasil, há pessoas que fazem o que querem e se recusam a assumir as consequências de seus atos.
Temos elites que cometem crimes, abusos de toda espécie e não querem sofrer os efeitos dessas atitudes.
Uns apelam para a falácia do "direito de errar", outros pedem para a mídia não divulgar seus dramas e tragédias pessoais, outros empurram com a barriga as piores encrencas.
Em tese, episódios como o massacre de Columbine e o recente atentado do Texas não parecem acontecer com frequência no Brasil, embora já tivemos o caso de uma escola no Realengo, no Rio de Janeiro.
Mas os valentões podem sofrer diversas consequências. Como transformar seu "braço-direito" em inimigo mortal ou vice-versa, só porque este lhe roubou a namorada.
Ou então, no caso da busologia, o busólogo valentão que vai para a cidade de uma vítima ser confundido por milicianos com um líder rival e ter sua câmera tomada pelo bando.
Nos tempos de golpe político de 2016, onde os reacionários obtiveram sua vitória de Pirro, sem resolver as encrencas e impasses em que estão metidos, não há como alguém se julgar invulnerável ou imune à sua própria decadência.
As pessoas empurram os efeitos danosos com a barriga, tentam abafar a decadência, manter-se impunes, até esconder doenças graves, adiar suas próprias tragédias.
Só que chega um momento em que os reacionários, inclusive os valentões, não poderão controlar seus atos, passando a viver uma série de encrencas e infortúnios sem controle.
Neste sentido, o golpe de 2016, junto com as truculências reais ou digitais de anos antes que o motivaram, se encontra num momento de fim de festa.
E sabemos que os reacionários brasileiros são muito bons de festa, mas são péssimos, desastrosos e até trágicos em suas ressacas.
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