Na sociedade conservadora e dominante, há uma outra definição de "Anos Dourados".
Ela nunca é oficialmente assumida, mas pela prática que se observa, não são aqueles "Anos Dourados" que a imprensa tanto fala.
Trata-se do ano de 1974, que é uma espécie de "1958 dos coxinhas".
Para essa sociedade, 1974 manteve o Brasil "em bom termo", com repressão intensa ao comunismo e o "milagre brasileiro", ainda que combalido, deixando seu recado.
Muitos ídolos da sociedade conservadora são velhos políticos, tecnocratas, economistas e intelectuais de visão neoliberal que se ascenderam ou tiveram auge na época.
A música brasileira estava ao gosto dos intelectuais "bacanas": MPB para as elites, brega-popularesco para as classes populares.
A ressalva é que a classe média universitária, na época, apreciava MPB. Hoje ela é "estimulada" pelo poder midiático a ouvir brega-popularesco.
Tanto que o ícone pretensamente cult - no sentido de que, por exemplo, o seriado Chaves e o Pânico da Pan são cult - dos últimos anos é uma cantora descoberta naqueles tempos pelo DJ Mister Sam, a cantora Gretchen.
Mas a classe média, ao menos no eixo Rio-São Paulo, ainda tem como ídolos nomes da época, como ABBA, Carpenters e Bee Gees, a ponto do primeiro retornar com novo disco. Os outros dois, por razões óbvias, estão definitivamente extintos.
Duas frentes religiosas ultraconservadoras se ascenderam ou cresceram nessa época.
De um lado, as seitas "pentecostais" que arrendavam horário em emissoras televisivas de audiência mediana.
De outro, a religião "espírita" catolicizada, com seus festejados e midiáticos "médiuns" de "psicografias" fake e "filantropia de novela" que, com a falência da TV Tupi, passaram a serem abençoados, até hoje, pela Rede Globo de Televisão.
Até mesmo a pintura padronizada nos ônibus - que acoberta a corrupção nos sistemas de ônibus das cidades, "escondendo" as empresas da população - virou batina para a religião do transporte e mobilidade urbana do "deus" Jaime Lerner, que era prefeito biônico da ditadura militar em 1974.
Foi para retomar 1974 que os "cidadãos de bem" lutaram "contra a corrupção" e pediram o "Fora Dilma".
Em 1975 o "incômodo" Luís Inácio Lula da Silva, há poucos anos presidente do Brasil em dois mandatos e hoje preso, foi uma "pedra no sapato" da sociedade "equilibrada" de 1974-1979.
1974 era o ano dos dez anos da "revolução democrática", como muitos diziam ter sido a ditadura militar.
Era o ano em que o regime militar conseguiu "controlar" os impulsos que explodiram entre o golpe de 1964 e o anúncio do Ato Institucional Número Cinco (AI-5).
Aliás, que continuou "controlando".
Documentos da CIA recentemente divulgados revelam que o general Ernesto Geisel e seu sucessor, João Baptista Figueiredo, continuaram comandando a tortura nos porões da ditadura militar.
Um relatório enviado por William Egan Colbim foi enviado para o secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, revelava que os dois sucessores do general Médici continuavam comandando o extermínio de opositores do regime militar.
Colbim foi diretor da CIA entre 1973 e 1976, e descreveu o encontro de Geisel com os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino e o então chefe do Serviço Nacional de Informações, o mesmo João Figueiredo que presidiu o país no ocaso da ditadura.
Souza e Avelino eram, respectivamente, ex-chefe e novo chefe, em 1974, do Centro de Inteligência do Exército (CIE) e participavam da reunião que discutia os rumos da prisão, tortura e extermínio dos opositores da ditadura militar.
Repressão e tortura existiram desde os primórdios da ditadura militar. Em 1964 já havia presos e torturados, algo que documentos históricos que podem vir à tona ajudarão a explicar melhor esse dado oficialmente subestimado.
No caso o foco está nas atividades ocorridas depois do governo Médici, que aparentemente foi o período mais intenso de repressão e eliminação de opositores da ditadura militar.
Isso já traz uma sombra horrenda no sonho dos "novos anos dourados" que viram substituir a mística de 1958, que também era idealizado demais.
Mas 1958 era, pelo menos, um rascunho de um país melhor.
1974 era um Brasil fantasiado que acobertava o pesadelo ditatorial, que, pelo jeito, tem sido o mesmo do começo ao fim.
Pinochet que o diga.
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