Que a questão da emancipação feminina no Brasil é surreal, isso é verdade.
Aqui, as mulheres com apelo popularesco e que seguem o receituário machista da coisificação sexual estão dispensadas até de viver um namorico curto, quanto mais ter um marido.
Já as mulheres que fogem dos valores do machismo e buscam se afirmar com ideias interessantes e relevantes são "aconselhadas" a ter um marido, geralmente um empresário, executivo ou profissional liberal.
No contexto brasileiro, isso é um processo duplo de higienização e desmobilização social.
Nas classes pobres, se desestimula o casamento até mesmo de pessoas afins. Até o fato de um rapaz da favela sair para jogar bola com os amigos é fator de repulsa para as jovens de seu meio.
No entretenimento popularesco, há uma enxurrada de "solteironas" de corpos siliconados e sensualidade excessiva.
Podem ser funqueiras, dançarinas de "pagodão" ou alguma outra de apelo "mais popular", tem que haver uma "solteira de plantão" para se vender como suposto ideal de vida para as moças pobres de forma a recomendar a elas que nunca se casassem e, talvez, nem sequer namorassem.
O sistema de valores dominante quer que a população pobre não faça filhos e famílias conjugais sejam evitadas de se formarem para prevenir a solidariedade popular a partir dos lares.
Com isso, se desunem homens e mulheres. Surgem crianças órfãs de pai vivo. Se os filhos são gerados, a violência policial os dizima. E o celibato é constantemente induzido nas mentes das jovens pobres "25 horas por dia" nas TVs e rádios "populares".
Nas classes mais abastadas, mesmo a média alta - a classe média propriamente dita, segundo Jessé Souza - , recomenda-se o contrário.
Mesmo em casais sem afinidade, estimula-se a estabilidade conjugal, ainda que, nas quatro paredes dos lares, até os filhos pequenos percebam a falta de entrosamento e até as brigas entre os genitores.
O Brasil tenta "higienizar" a população de tal forma que há uma hipócrita divulgação da causa LGBT nas comunidades pobres, sem que haja alguma compreensão natural a respeito.
Para evitar que os pobres gerem filhos, empurra-se, na cabra-cega, a causa LGBT que é uma rotina saudável nas classes médias intelectualizadas, mas vira um problema em populações que também são pressionadas por valores evangélicos, que são homofóbicos.
Isso gera muita confusão. Mas confundir os pobres, para as elites do atraso, é uma maneira de enfraquecer as classes populares, já suficientemente manipulada, a partir do gosto musical e da agenda de assuntos (agenda setting), por TVs e rádios "populares".
Enquanto isso, força-se as mulheres abastadas a "carregar casamento" até quando possível.
A mulher abastada, intelectualizada e emancipada, tem problemas de se separar de seu poderoso marido, principalmente quando tem três filhos e teme pelo trauma deles pelo divórcio dos pais.
Nas classes pobres, porém, há mulheres com até dez filhos ou mais que veem a vida conjugal como definitivamente encerrada. Quanto às funções paternais, o filho homem mais velho geralmente "cobre" as responsabilidades que são deixadas pela falta do marido da mãe.
As mulheres abastadas casadas até levam "vida de solteira", ainda que desautorizadas, ao menos oficialmente, de terem amantes. A infidelidade conjugal é outra estória que não vamos citar aqui.
Elas saem quase o tempo todo sozinhas. Na busca do Google, a presença do marido ao lado de cada mulher do tipo pode ser constante ou não, mas é eventual.
Em boa parte das fotos, essas mulheres aparecem sem a companhia do cônjuge, e nem o mencionam em suas entrevistas. Nota-se uma clara falta de cumplicidade entre tais casais, que são vistos juntos geralmente em formalidades.
No Brasil isso é uma forma das elites se manterem coesas, ainda que à força. Ainda que o casal sirva apenas como marketing, como nos comerciais de margarina.
Nos EUA essa realidade não é muito explícita.
Primeiro, porque não há essa preocupação de higienismo como a do Brasil, em que se chega a comprar divórcio de funqueiras e dançarinas de "pagode" para elas venderem um "ideal de solteirice" para as jovens das "periferias", evitando elas de se tornarem mães.
Segundo, porque lá existem separações de casais abastados motivadas por "diferenças irreconciliáveis".
Pelo menos essas divergências separam casais nos EUA, aqui elas forçam ainda mais a estabilidade conjugal, já a partir do próprio caso republicano de Michel Temer e Marcela.
Além disso, o maior problema de solteirice não envolve funqueiras nem outras musas "populares", mas estrelas de reality shows de elite, transmitidos na TV estadunidense.
Afinal, que housewives se espera de "esposas" que constantemente se divorciam, esvaziando o próprio sentido da palavra wife?
Mas nos EUA existe um considerável número de atrizes "bem casadas" que levam "vida de solteira".
São geralmente esposas de produtores, advogados, empresários, executivos e outros "líderes" que só aparecem ao lado deles em formalidades.
Em Hollywood, elas são mulheres consideradas empoderadas, e seu aparente engajamento aumentou depois do escândalo sexual envolvendo o produtor e executivo Harvey Weinstein.
São mulheres de opinião, que se destacam pela beleza, talento e desenvoltura, enquanto seus maridões geralmente são insossos homens calados que só aparecem de terno, gravata e desconfortáveis sapatos de couro ou verniz.
Nota-se que tais mulheres servem de vitrine para eles, que por sua vez não são capazes de segurar uma entrevista de cinco minutos.
Há também muitos casamentos de fachada. Várias atrizes já são divorciadas de seus maridos, mas precisam manter o aparato da continuidade dessas relações.
Tem atriz que está divorciada há dez anos, mas precisa manter seu status de "casada" nas páginas da Internet, como IMDb, Wikipedia e Who Dated Who?.
Tem até atriz que fica sozinha o tempo inteiro, mas precisa mencionar a "vida com o marido" e levá-lo a um evento importante de gala.
Lá existe esse patrocínio marital como há no Brasil. Mas o motivo e o contexto são muito diferentes.
Aqui é uma forma de forçar a união das elites, enquanto há o desmonte gradual da população pobre pela violência de grupos armados diversos (polícia, narcotráfico, milícia e Exército) e pelo soft power do celibato forçado das jovens pobres pela mídia popularesca.
Lá o patrocínio marital serve para a afirmação da famosa engajada, que vive uma espécie de emancipação premiada, na qual o marido é menos um companheiro e mais um financiador da independência da mulher.
No Brasil é isso, também, mas é visto como uma obrigação mais rigorosa, num contexto de machismo decadente, mas ferrenho, que quer controlar a emancipação da mulher.
Nesse ponto de vista, é possível compreender que as mulheres que aceitam serem objetos sexuais tendem a ficar "solteironas". Ou, quando muito, brincar de empoderamento namorando rapazes bem mais novos e sem prestígio, o que faz a mulher se sobrepôr ao namorado socialmente "mais fraco".
Isso é surreal. Mulheres que lidam melhor com a emancipação ficam quase sempre casadas. As que seguem valores machistas de "sensualidade" é que ficam solteiras, sem se prepararem para isso.
Pelo menos o machismo light de Hollywood serve apenas para impulsionar a carreira das mulheres empoderadas, mantendo casamentos de comercial de margarina.
Aqui, a coisa é mais cruel: o machismo light é feito para dar um freio na independência feminina.
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