Inaugurado em 1818, o Museu Nacional foi destruído ontem à noite, em um devastador incêndio que destruiu seu acervo de 20 milhões de peças.
Por ironia, várias peças foram trazidas pela família real portuguesa, e olha que Portugal também havia perdido acervo de suas bibliotecas e museus durante o terremoto de 1755.
O Museu Nacional foi uma das construções localizadas na Quinta da Boa Vista, um dos marcos da modernização do Brasil.
Foi quando se criaram faculdades, museus, bibliotecas e se iniciou um esforço que, com suas imperfeições, pelo menos buscava desenvolver uma identidade nacional.
A vinda da família real portuguesa pode ter sido seus senões, como a própria família real tinha seus senões.
Mas, pelo menos, houve uma iniciativa de buscar evoluir o Brasil, criando as condições sociais que permitiram, depois, que se desse a Independência.
Há muitos aspectos discutíveis, é verdade, mas esse caminho de pedras, pelo menos, foi um trajeto que, até mais ou menos 2013, se deu de uma forma acidentada, mas com algumas conquistas.
Bem ou mal, 1808 foi o período em que o Brasil começou a pensar em sair de sua situação subalterna de colônia.
O Rio de Janeiro começava a ter vida cultural, e isso se refletia também no resto do país.
O Museu Nacional era uma instituição tutelada pelo Ministério da Cultura, e seu prédio tinha uma beleza tão valiosa quanto seu acervo.
O museu tinha problemas de manutenção, o que havia sido subestimado diante do hábito viciado das pessoas de não ligar em coisas valiosas.
Aqui prevalece a inversão de valores. Valoriza-se o que não tem valor, enquanto se despreza o valioso.
Joga-se fora os tesouros e os objetos valiosos, novos ou velhos. Mas se mantém o entulho inteiro, num apego bastante doentio.
Com naturalidade, a chamada "boa sociedade" aceita que percamos grandes cientistas, músicos, atores e grandes intelectuais, até mesmo em idade prematura.
Mas, nas redes sociais, tem gente arrancando os cabelos porque se começa a noticiar que dois políticos da ditadura estão no ocaso de carreira ou dois ricos machistas que no passado praticaram feminicídio estão no fim da vida.
O Brasil virou o paraíso astral de subcelebridades do entretenimento, de músicos canastrões do brega-popularesco, de jornalistas hidrófobos que mais desinformam que informam.
Temos um feminismo que negocia com o machismo, com mulheres ligadas a um erotismo popularesco dispensadas de terem marido e sequer um namorado, enquanto mulheres mais intelectualizadas precisam ser domadas por um marido poderoso.
Uma dançarina de "pagode", até pouco tempo atrás muito bem casada, da noite para o dia se separou e ficou "empolgada" com a vida de solteira.
Não se vê isso na it girl que, embora apareça quase sempre sozinha nos eventos, está bem casada com um sisudo empresário que mais parece casado com sua empresa, isolado no seu escritório, prisioneiro de seus paletós e sapatos de couro.
O Brasil tentou subidas e descidas no âmbito sócio-cultural, mas tentava-se obter conquistas da melhor forma possível.
Culturalmente, perdemos quando a intelectualidade "bacana" foi defender a bregalização, impondo como o patrimônio do povo brasileiro a sua própria miséria e seus problemas.
E isso sob a regência do hoje finado Otávio Frias Filho e seu braço-direito Pedro Alexandre Sanches, que brinca de "lulista autêntico" no seu perfil do Twitter, depois de tanto defender a bregalização que deixou as periferias vulneráveis (e, em parte, seduzidas) a Jair Bolsonaro.
E isso através do Farofafá, uma espécie de versão tropicalista do estranho portal Duplo Expresso.
A intelectualidade "bacana" barrou o debate cultural que, cinco décadas e meia atrás, era feito pelos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes.
Mas de que adianta um ex-cepecista, o grande Cacá Diegues, se empossar na Academia Brasileira de Letras, se lá são mais influentes os reaças Fernando Henrique Cardoso e Merval Pereira?
E isso quando, em tempos de fake news, um antigo membro da Academia Brasileira de Letras, o coitado do Humberto de Campos, foi vítima de obras fake só porque escreveu artigos fazendo gozação com um estranho beato que se dizia "médium".
O tal beato, depois consagrado como um suposto "espírita" usando ternos e peruca cafonas, fez de Humberto seu trampolim e, como um Bolsonaro "com amor", cresceu de forma vertiginosa a ponto de muitos incautos acharem que ele era o "amor personificado".
Pura falácia montada com a ajuda da Rede Globo a partir do que um jornalista reaça inglês fez em prol de uma megera que deixava doentes alojados em condições sub-humanas.
A Rede Globo cria "santos", "mitos", é capaz de hipnotizar as esquerdas médias para adorar funqueiros e "médiuns espíritas" que, na verdade, simbolizam o conservadorismo e a substituição do protagonismo das classes populares pelo paternalismo religioso ou lúdico sob forças conservadoras.
Nos últimos quatro anos, se empenhou para enfraquecer a cultura brasileira e deixar nossas riquezas culturais abandonadas.
Queríamos cultuar falsos filantropos, falsos ativistas sociais, falsos militantes culturais.
Vemos a MPB perder artistas a cada ano, sem que houvesse uma renovação à altura. Mas, na música brega-popularesca, se multiplicam ídolos de proveta, alguns tentando parasitar a MPB que no fundo desprezam.
Vemos o teatro sucumbir a um estágio pior do que quando havia a supremacia do padrão europeizado do Teatro Brasileiro de Comédia, quando predominam franquias de peças estadunidenses.
Vemos o cinema sucumbir a comédias de costumes, mas, também, a estabelecer uma agenda rígida, inflexível, na qual os documentários têm que ser, de preferência, acríticos.
E aí vemos 200 anos reduzidos a cinzas, no Museu Nacional.
Uma grande e irônica simbologia dos tempos sombrios em que vivemos, quando a ascensão de Jair Bolsonaro pode causar uma devastação pior do que a do referido museu.
Será uma devastação que simplesmente destruirá todo o Brasil.
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