O que é a elite do bom atraso? É a elite do atraso repaginada para o contexto da “democracia de um homem só” do atual mandato de Lula. São os descendentes dos antigos caçadores de tesouros do Brasil colonial, dos bandeirantes exterminadores de índios, dos senhores de engenhos escravocratas, das oligarquias da República Velha e dos golpistas contemporâneos que derrubaram Getúlio Vargas, João Goulart e, mais recentemente, Dilma Rousseff, pedindo o golpe militar de 1964, o AI-5, o pacote de retrocessos de Michel Temer e o desgoverno de Jair Bolsonaro.
Essa elite, em parte, ajudou a matar pessoas como o deputado Rubens Paiva, que era um político paulista do antigo PTB de Jango e Leonel Brizola, mas hoje, hipócrita, vai ver “solidária” com a memória da viúva de Rubens, Eunice Paiva, o filme Eu Ainda Estou Aqui, com a comodidade alienada de quem, nos anos 1980, assistia às comédias com Xuxa ou os Trapalhões.
A elite do bom atraso é, na verdade, híbrida, pois inclui a burguesia “democrática”, a pequena burguesia, os “pobres de novela” e os famosos muito ricos mas sem o poder decisório dos grandes financistas. Atualmente, se somaram a ela as esquerdas médias, ou seja, as esquerdas mainstream dos militantes emancipados, e as esquerdas identitárias.
Depois da rivalidade observada entre 2010 e 2021, quando a elite do atraso era representada pelo tucanato e as esquerdas médias e identitaristas pelo petismo, e no momento em que o PSDB virou um quintal para fascistas mirins tutelados pelo titio Aécio Neves, a elite do bom atraso se configurou na “frente ampla” social que hoje vemos, quando os petistas que combateram o pacote de maldades de Temer se aliaram à “parte boa” dos que fizeram o golpe de 2016 e viram que Bolsonaro “foi longe demais”.
A desculpa da “democracia”, portanto, serviu para unir as duas forças conflituosas de 2006-2016: a direita neoliberal herdeira do antigo espólio do PSDB e PMDB e as esquerdas que protagonizaram o período petista de então.
Com esta aliança, o PT aliviou seu projeto político ao mínimo denominador comum do atendimento às demandas populares sem interferir nos interesses das elites empresariais. Estas tolerariam o tamanho médio da máquina estatal, contendo seu apetite privatista, e aceitariam certas medidas de bem-estar social para as classes populares.
As divergências entre a burguesia “democrática” e as esquerdas médias se volta a temas como a atuação do Estado e as políticas salariais. Se as pautas identitárias unem essas duas forças, as pautas trabalhistas e a ênfase nos serviços públicos são o ponto de divergência.
No atual mandato de Lula, o acordo se deve a contenção do atrito entre os defensores do Estado mínimo da direita moderada e os entusiastas do Estado forte das esquerdas médias. Direita moderada tolera aumentos salariais um pouco acima da inflação e também se dispõem a conter a elevação dos preços e, da mesma forma, também pararam de querer que o capital privado mexa no ensino superior público.
As esquerdas médias, em contrapartida, toleram a existência de faculdades e universidades privadas e não mexem no que ficou privatizado. O presidente Lula fez duros comentários contra a venda da Eletrobras mas, na prática, nada pose fazer para reverter o processo. As esquerdas que cercam Lula também se limitam a repudiar os preços altos de mercadorias e serviços no terreno do desabafo, sem intervir com ações concretas e firmes para diminuir esses custos.
Diante disso, as esquerdas médias e a burguesia "democrática" acabam fazendo com que o lulismo perca a popularidade entre os apoiadores originais do presidente Lula, na medida em que se preserva o legado neoliberal com poucos benefícios para as classes populares. Lula governa para a alta e pequena burguesia, mas finge que não. Falar é fácil.
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