É lamentável o desprezo pela mídia roqueira mainstream à histórica banda punk Buzzcocks. Reduzir a história do punk a Ramones, Sex Pistols, Clash e à cena dos anos 1990 e ignorar os Buzzcocks é algo comparável a contar a história do Rock Brasil citando Paralamas, Barão, Kid Abelha e Titãs e, enquanto se menciona Raimundos e Charlie Brown Jr., se esquece da Legião Urbana.
Os Buzzcocks - cuja música "Promises" eu me lembro de ter ouvido na Fluminense FM, nos anos 1980 - são uma banda seminal que, felizmente, retomou a ativa. Depois de perder Pete Shelley, cantor e guitarrista que morreu de infarto aos 63 anos em 2018, completamente ignorado no Brasil (e olha que o óbito teve destaque também nos EUA, que choraram a perda do músico), a banda tem agora seu terceiro vocalista, Steve Diggle, remanescente da formação de 1977. O Buzzcocks ainda tiveram como primeiro vocalista Howard Devoto, que segue vivo e ativo.
Diggle foi guitarrista da segunda formação da banda, quando Devoto deixou o grupo e Shelley assumiu os vocais. Depois da perda de Shelley, os Buzzcocks decidiram continuar e até lançaram um disco de inéditas, Sonics in the Soul, em 2022, com repertório composto e gravado durante a pandemia da Covid-19. Embora a crítica destaque a falta do estilo peculiar de Shelley, o álbum, que tem uma homenagem ao finado vocalista, "You've Changed Everything Now", mantém a essência sonora do grupo.
Os Buzzcocks tocaram no Brasil cinco vezes, incluindo a apresentação ocorrida ontem, numa casa noturna de São Paulo curiosamente chamada de Carioca Club. O grupo se apresenta hoje em Curitiba, no Basement Cultural). O grupo se apresentou no Brasil em 1995, 2001, 2007 e 2010. Eu não fui ver a banda no Carioca Club por "sérias restrições orçamentárias", pois trabalho como operador de Telemarketing.
Na primeira vez, em 1995, quando os Buzzcocks tocaram em Sampa a música "I Believe", o cantor do Camisa de Vênus, Marcelo Nova, foi convidado para cantar a versão em português, "O Adventista", que fez sucesso nas rádios brasileiras sem que o público médio soubesse que era uma cover com letra em português de um clássico punk de Manchester.
Certa vez, em 2022, quando eu estava no terraço do Shopping TriMais, no bairro do Tucuruvi, aqui em Sampa, eu toquei no meu celular a música "I Believe", sob a indiferença e um certo estranhamento de outras pessoas. "I Believe" é uma música punk que, no entanto, tem um aspecto supostamente anti-punk, que é a duração de cerca de sete minutos e um final em fade out, que é quando a canção parece "continuar" enquanto seu volume se abaixa até o som sumir.
"I Believe" não é a única música que teve cover conhecida. A banda Fine Young Canibals, formada em parte por ex-músicos do English Beat, fez uma versão dançante de "Even Fallen In Love", mas apesar do seu apelo pop a canção só tocou, pelo que eu saiba, na Fluminense FM. O FYC só é conhecido pelo público médio brasileiro pelo sucesso da lavra da própria banda, "She Drives Me Crazy".
É extremamente lamentável a indiferença da mídia roqueira mainstream, inspirada nos farialimers da 89 FM e Rádio Cidade - "rádios rock" que, na prática, atuam como meros escritórios da Artplan, sem compromisso real com a cultura rock - , que na hora de narrar a história do punk rock, se contenta em fazer um histórico preguiçoso nesses moldes:
"Você sabe que o punk rock surgiu em 1976? Pois é! A primeira banda punk da história foram os Ramones, que surgiu em 1974, e, no Reino Unido, surgiram os Sex Pistols e, mais tarde, o Clash. Mais terde, tivemos Dead Kennedys, Bad Religion e o punk segue com a cena dos anos 90 com Green Day, Offspring e outros, mantendo a chama de 1976".
O público médio dormia tranquilo com esse relato altamente superficial, trazido não só pelos influenciadores "especializados em rock" de hoje em dia, mas por muito jornalista que sobrou do darwinismo jornalístico da Showbizz, do qual só sobraram uma meia-dúzia de jornalistas para "tocar o barco" do tal "pop-rock" dos anos 1990, quando a cultura rock se limitou a um limitado elenco mainstream onde até o "rock alternativo" se reduziu a uma caricatura grosseira, sem pé nem cabeça.
Para quem, nos anos 1990 e 2000, se interessava em memorizar até os times reserva dos clubes estaduais de futebol brasileiro do que as bandas seminais de rock da história, tudo podia ficar no mesmo, porque o rock mainstream dos anos 1990, se consistindo numa cultura medíocre, superficial e marcada pela mesmice, se promovia mais pelo repúdio aos "pagodeiros", "sertanejos" e aos "grupos de garotos" (tipo Backstreet Boys, ícone da época) do que pela (inexistente) consistência cultural.
Paciência. Se a cultura rock passava a ser um patrimônio privado dos mauricinhos do Itaim Bibi que pilotavam, com os locutores putz-putz (Tatola incluído) das "Jovem Pan com guitarras", então não dava mesmo para cobrar abrangência e profundidade cultural para quem media o mérito dos artistas do rock pela visibilidade e pela presença nos listões de hit-parade da Billboard.
Daí que esse culturalismo "roqueiro" que chegou ao ponto de cometer a covardia de tratar AC/DC e Deep Purple como one-hit wonders através de, respectivamente, "Back in Black" e "Smoke on the Water", trata os Buzzcocks como se fosse um "ninguém" da cultura roqueira.
E o mais grave disso tudo é que os Buzzcocks já se apresentaram no Brasil cinco vezes, incluindo a mais recente. Quatro delas com Pete Shelley nos vocais. E ver a indiferença da nossa mídia roqueira que, mesmo com as quatro apresentações anteriores e com a versão do Camisa de Vênus, se esquecia dessa banda seminal do rock britânico.
Por isso, pela quinta vez os Buzzcocks foram mostrar para o público brasileiro a sua existência e sua profunda relevância no cenário roqueiro mundial. Vale lembrar que, se não fossem os Buzzcocks, nem o chamado poppy punk existiria. O Green Day, por exemplo, nada seria se não fossem os Buzzcocks.
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