Ontem foi anunciado o Prêmio Nobel de Literatura não a um escritor, no sentido formal do termo (ou pelo menos no sentido material, da produção de livros), mas a um compositor musical.
O legado de Bob Dylan, que é uma das atrações do Desert Trip, em Indio, Califórnia, que reúne músicos de rock dos anos 60, justificou o mérito do prêmio.
Dylan transformou profundamente o modo de escrever letras na música jovem contemporânea, a partir do rock.
Com Dylan, perdeu-se a vergonha de escrever sobre coisas simples ou sobre problemas graves no cotidiano.
Mesmo Lou Reed, que nunca foi com a cara de Bob Dylan, tornou-se também um notável poeta pelo caminho aberto pelo autor de "Blowin' In The Wind".
E o que isso diz ao Brasil?
Além de ser uma honra para os fãs brasileiros de Dylan, é também um recado para a expressividade da música e da poesia, que andam desprezadas pelo mainstream de hoje.
Você observa o respeito que é dado a Bob Dylan e sua obra, mesmo num contexto conservador que é o Prêmio Nobel.
O equivalente brasileiro, em importância poética, o cantor e compositor Chico Buarque, com carreira paralela de escritor de livros, não recebe o mesmo valor.
Aqui ele é tido como "petralha" pela sociedade reacionária que conquistou o poder através do atual presidente Michel Temer.
E é visto como "ultrapassado" pela intelectualidade "bacana" que quer transformar o Brasil numa casa da Mãe Joana bem cafona.
A intelligentzia dita "a mais legal do país", dotada da visibilidade plena sob a promessa de transformar o jabaculê de hoje no folclore de amanhã, tenta outros brasileiros para comparações tendenciosas a Bob Dylan.
Tentaram definir o brega Odair José como o "Bob Dylan da Central do Brasil".
Não deu certo. Odair José não é nosso Bob Dylan. É nosso Pat Boone.
O brega pós-Jovem Guarda apresentava aos brasileiros o mesmo roquinho domesticado que marcou a entressafra roqueira de 1958-1960.
Mas como era um cenário contemporâneo aos psicodélicos e tropicalistas, os equivalentes brasileiros a Paul Anka, Ricky Nelson, Pat Boone e outros foram erroneamente tidos como "rebeldes".
Recentemente, tentam superestimar o sucesso dos ídolos brega-popularescos musicais, como se eles pudessem ter a mesma visceralidade e contundência de Chico Buarque e Bob Dylan.
Tentaram "emepebizar" a geração neo-brega de "pagodeiros" e "sertanejos" de 1990 e foi um desastre.
Eles se limitaram a ser apenas crooners a gravar covers de MPB como se fossem calouros de reality shows musicais.
Apenas deram um banho de loja, de tecnologia e iluminação nos palcos e passaram a ter uma equipe de assessores para melhorar sua imagem.
Mas, artisticamente, eles continuaram tão medíocres quanto nos tempos em que cantavam sobre "baratas", "pimpolhos", amores-ódios entre tapas e beijos etc.
Seus repertórios autorais eram praticamente recompostos por arranjadores a serviço desses cantores, que tentavam embelezar, em vão, repertórios que mais pareciam rascunhos musicais.
A intelectualidade "bacana" é muito provinciana.
Ela acha que basta investir dinheiro aos montes que se transforma um Wesley Safadão num novo Chico Buarque, como se transforma a Gata Borralheira numa Cinderela.
Acha que basta um programa trainée para transformar lotadores de plateias em "artistas geniais".
O que vai resultar é apenas um intérprete dotado de profissionalismo, mas artisticamente será um canastrão a querer provar de tudo.
Ele pode prolongar seu sucesso e lotar plateias por anos, mas musicalmente será tão oco e superficial quanto antes, e não garantirá uma posição nobre na posteridade.
Mas esse é o Brasil temeroso.
Afinal, os intelectuais "bacanas" tentaram se passar por "bons esquerdistas".
Mas na verdade eram freelancers dos barões da grande mídia, por mais que ensaiassem falsos ataques a eles.
Difícil falar sobre democracia num país governado por Michel Temer.
Difícil falar sobre cultura num país dominado por "sertanejos" e funqueiros.
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