Vinte e cinco anos atrás, havia duas figuras com forte apelo midiático.
Um empresário e um engenheiro, este também pastor evangélico, que na hierarquia evangélica tornou-se "bispo".
João Dória Jr. tornou-se conhecido como apresentador de programa de entrevistas que mostrava apenas gente muito rica e famosos muito badalados entre as elites.
Marcelo Crivella tornou-se célebre como "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, já dona da Rede Record (comandada pela TV Record paulista, a mais antiga emissora de TV em atividade no país).
Crivella é "braço-direito" do líder maior da IURD, o "bispo" Edir Macedo.
Numa dessas ironias do destino, os dois passaram a ter um destino comum: em 2017 assumirão o governo municipal das duas maiores capitais do país.
Dória Jr., prefeito eleito de São Paulo em primeiro turno, e Crivella, prefeito eleito do Rio de Janeiro no segundo turno, terão o desafio de administrar duas cidades em crise.
São Paulo já não é mais um modelo de lançamento de tendências para todo o país.
O Rio de Janeiro, saturado de tragédias e incidentes criminais, também está perdendo esse status.
As capitais do Norte e Nordeste, aos poucos, estão deixando de depender do eixo Rio-São Paulo para implantar tendências.
Enquanto isso, paulistas estão resignando-se, aos poucos, com a perda da antiga imponência.
Os cariocas é que ainda não estão digerindo bem a perda da supremacia do Rio de Janeiro no resto do país.
O eixo Rio-São Paulo também se tornou o centro de uma onda ultraconservadora que tomou conta do país nos últimos dois anos, e que culminou na queda de Dilma Rousseff.
Neste caso, se juntam à cidade de Curitiba no comando ultraconservador da sociedade brasileira.
Dos dois prefeitos eleitos, o caso de João Dória Jr. parece mais simples do que o de Marcelo Crivella.
O futuro prefeito paulistano não tem muito apelo popular, mas é respaldado pelo governador Geraldo Alckmin, um dos mais influentes do grupo político do PSDB paulista.
E Alckmin é respaldado pela grande mídia. Só a Folha de São Paulo, que prefere o também paulista José Serra, hoje ministro do governo Michel Temer, tem um leve pé atrás com Alckmin.
Mesmo assim, sendo PSDB, Alckmin ainda é "preferível" à Folha do que uma hipotética volta triunfal de Lula.
De tão abatido pela mídia e pela oposição, o PT parece ter sua decadência dada como definitiva, forçando as esquerdas a repensar sua trajetória.
O PSDB pode encontrar crises aqui e ali, desfavorecendo os interesses de Serra e Aécio Neves, mas saiu vitorioso nas campanhas para prefeito em primeiro e segundo turnos na maior parte do país.
Quanto ao caso de Crivella, ele tem um enorme apelo popular, sobretudo num tempo de retomada religiosa na carona do ultraconservadorismo, mas ele tem um sério problema.
Ele é ligado à Rede Record, rival da Rede Globo.
A Rede Record tem origem paulista, e sua influência no Rio de Janeiro pode aumentar consideravelmente.
O Rio de Janeiro, berço da Rede Globo, mostra uma situação insólita em que a rede televisiva está em desvantagem e não pode sair atacando Crivella frontalmente.
Se atacar, a Record rebate e bombardeia a Globo com denúncias escandalosas.
Consta-se que a Globo terá que reagir à influência da IURD fazendo parcerias com uma seita religiosa.
É uma seita que diz seguir um pedagogo que viveu na França no século XIX, mas que do pensamento original dele quase nada foi aproveitado.
O maior astro é um suposto médium que fez plágios e pastiches em seus livros e usurpou sobretudo um escritor maranhense que havia integrado a Academia Brasileira de Letras.
O "médium", morto no "dia do penta", era uma espécie de Aécio Neves da espiritualidade. Fazia das suas que a impunidade era certa. E o pessoal achava que ele era "ícone de bondade e humildade".
Mas o "bom homem" havia defendido a ditadura militar, apoiado a eleição de Collor e tornou-se protegido, mesmo postumamente, pela Rede Globo.
Será através dele e dessa seita religiosa, mais próxima do legado jesuíta do Brasil colonial, que a Globo competirá com Crivella no Rio de Janeiro.
Até porque a Globo não poderá apelar para padres de batina e seus enfeites a ouro.
Seria demais para encarar Crivella.
A outra seita religiosa, pelo menos, tem um verniz de "ciência" e "filosofia" e publica romances "espirituais" que caem no gosto popular e parecem novelas da Globo.
E não usa uniformes em adornos e se traveste de um aparato o mais modesto possível.
A Globo pode usar essa seita religiosa para neutralizar o poder da Universal sem despertar a mínima desconfiança.
Os ingredientes parecem certeiros: mensagens de "amor e fraternidade" tidas como "universais" (olha o trocadilho), enredos "espiritualizados" que parecem novelas da Globo, falso ecumenismo e falsa simplicidade.
A Globo gosta de tudo isso.
É a forma da Globo usar a religião para disputar com o poder da Igreja Universal, que, dizem, se tornará a "organização assistencial oficial" da Prefeitura do Rio de Janeiro.
São os jogos da política, num Rio de Janeiro cada vez mais conservador, vedete de um espetáculo reacionário que toma conta do Sul e Sudeste do Brasil.
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