Anteontem vi um grupo de motoqueiros saindo de um quiosque em Gragoatá, Niterói.
Um deles tinha o adesivo da Rádio Cidade (da fase "rock de verdade (sic)") colado em sua moto.
Ver que os órfãos da Rádio Cidade "roqueira" são mais organizados, coesos e perseverantes é muito assustador.
Os da Fluminense FM há muito aceitam que ela está fora do ar e sua frequência deu lugar a uma rádio de notícias.
Em se tratando de um Rio de Janeiro que ainda elege um Bolsonaro no Legislativo e prepara a supremacia musical do "funk'n'sertanejo", espera-se tudo.
Hoje irradia, com um desempenho de audiência razoável, a popularesca Mania FM nos 102,9 mhz.
A Rádio Cidade está "escondida" na Internet, mas praticamente restrita a um vitrolão "roqueiro".
Só que se observa que sua programação sempre foi fraca, restrita aos sucessos, ao hit-parade, entenda-se como um pequeno punhado de músicas.
É constrangedor. Humilhante ver que um grupo como Deep Purple, com quase meio-século de estrada, ser rebaixado pela Rádio Cidade a um "one-hit wonder" com "Smoke On The Water".
De que adianta botar um "módulo dos sonhos" com, por exemplo, "Tempo Perdido", da Legião Urbana, "Revolution", do Cult, "Even Flow", do Pearl Jam e "All of My Love" do Led Zeppelin se tudo isso é hit, é "sucesso", e só essas músicas são tocadas.
Já escrevi, em outras oportunidades, que a Rádio Cidade sucumbiu pelos seus erros e contradições diversos, sobretudo pela presença de radialistas sem a menor vivência em rock.
O coordenador, Van Damme, era na verdade um especialista em "sertanejo universitário".
Gente que nem tem ideia do que ocorreu no rock no passado e no que ocorre no presente e nas promessas para o futuro.
Gente sem segurança para decidir incluir no cardápio musical músicas que nunca foram hits e soam boas e vibrantes.
Nas redes sociais, eu divulguei que faltava rádios de rock que tocassem nomes como Monochrome Set e Teardrop Explodes, duas bandas britânicas (o Teardrop era de Liverpool) que adoro muito e que conheci nas ondas da Fluminense FM.
Um profissional de rádio me esnobou dizendo "que tipo de rádio você quer?".
É até gozado ele, por causa da Rádio Cidade, virar "roqueirão", como tantos outros que, no fundo, só gostavam da rádio por causa de um programa de piadas, o "Rock Bola", espécie de crossover entre Pânico da Pan e Galvão Bueno.
É gente que nem tem ideia do que tocava na Rádio Cidade, se era Puddle of Mudd ou Pudim of Mousse, Temple of The Dog ou Table of The Hot Dog.
O pessoal ouve rock na Rádio Cidade sem se importar com o que está tocando. Até barulho de máquina Bosch eles acham "puro rock'n'roll".
O cara que me esnobou é fanático por Benito di Paula, diga-se de passagem.
Tudo bem, é o gosto dele. E ele pode ser um baita entendedor de rádio, mas uma coisa é entender sobre antena, equipamentos, departamento comercial, outra é entender de rock.
E aí vemos a raiz de todo esse fenômeno da Rádio Cidade "roqueira" que assombrou o Rio de Janeiro que já teve, antes, uma Fluminense FM e uma Eldo Pop.
É assustador que até os órfãos da Fluminense FM e os fãs das potenciais herdeiras Kiss FM (que saiu do ar) e Cult FM estivessem complacentes com a canastrice eletrônica da Rádio Cidade.
A Cidade era como a "patricinha rica" mas sem pouco conhecimento com a causa.
Servia apenas como alimentadora de mercado, e sem dúvida tinha um departamento comercial de primeira.
O problema era a programação, fraquíssima (só para usar um termo mais gentil), com o repertório predominando clones de Blink 182 e Linkin Park com vocalistas parecendo imitadores bêbados do Dave Grohl, mais preocupados em bocejar do que cantar.
Mas também de que adianta botar um Cult, se era só "Revolution".
Alguém imaginou que também existem "Dreamtime", "A Flower In The Desert", "Ressurrection Joe"?
Para uma equipe de radialistas estilo Jovem Pan, não. Aliás eles nem sabiam que o Cult tinha "Revolution". Nem "She Sells Sanctuary" eles sabiam da existência.
E o Deep Purple. Alguém poderia dizer que, antes do álbum Machine Head, de "Smoke On The Water", o grupo tem o ultrapotente álbum In Rock, com os ingleses reconstituindo os rostos ao modo do Mount Rushmore, nos EUA?
Os radialistas estavam preocupados com o que será o novo disco da Anitta em 2017. Vejo como seria Van Damme e Demmy Morales dando palpites dos títulos da música. Anitta iria adorar entrar na brincadeira e interagir com as próprias sugestões.
E ver que a Rádio Cidade, com todos os seus desastres, era vista como "rádio de rock séria".
Não tinha programas de heavy metal, progressivo ou similares, e até os programas Cidade 80 e Cidade do Rock eram sofríveis. Só tocavam "grandes sucessos", quando programas assim tinham a missão de ir mais adiante dos greatest hits ou dos Top 100 da vida.
Mas tinha programa de debates sobre namoro, coisa bem Jovem Pan, e programa unindo besteirol e futebol, lembrando que 99,99% dos torcedores do futebol "torcem o nariz" para o rock.
A grande lição sobre essa obsessão da Rádio Cidade pelo rock, comparável à do astro pop Michael Jackson nos seus piores anos, é uma grande frustração do Sistema Jornal do Brasil.
A frustração de que o Jornal do Brasil não saiu na frente com uma Fluminense FM, façanha realizada por um jornal de Niterói.
A Rádio Cidade teve sua façanha, foi rádio pop, lançou uma linguagem pop etc e tal.
Mas a Fluminense FM deu voos mais altos, o que criou uma ciumeira nos executivos da Cidade.
Só que quando a Cidade foi adotar a postura "definitivamente rock", nos anos 90, já foi tarde demais.
Deveria ter adotado essa postura quando a Eldo Pop agonizava. Do jeito que fez, a Rádio Cidade só uniu oportunismo e incompetência. A sorte foi o favorecimento das conveniências.
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