A chamada "música popular demais" pode estar chegando ao fim de uma era.
É a era em que o jabaculê ameaçava impor sua supremacia absoluta na cultura popular brasileira, condenando nosso rico patrimônio cultural, sobretudo musical, a apodrecer guardado em museus mal-conservados.
A Polícia Federal deflagrou uma operação que investiga fraudes no Imposto de Renda e outras irregularidades, que ganhou o apelido de Operação For All, com base na expressão em inglês que inspirou o termo "forró".
A medida, que a princípio se dirige a investigar fraudes cometidas pela empresa responsável pelo conjunto Aviões do Forró, pretende seguir não só o "forró eletrônico", mas outros estilos musicais.
Os Aviões do Forró e outros três conjuntos, estão sendo investigados na atual etapa. Os cantores dos Aviões, Xand e Solange Almeida, foram convocados para depor.
O grupo é acusado de prestar informações falsas ou omitir informações importantes nas declarações do Imposto de Renda.
Muitas irregularidades tendem a ser investigadas.
Já existem também investigações sobre a "máfia dos shows" que envolve possíveis esquemas de propinas em festivais musicais do interior do país ou de capitais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Embora certos midiotas, seguindo a orientação trazida há anos pela intelectualidade "bacana", associem erroneamente a operação a uma "perseguição jurídico-midiática" a um "fenômeno popular" como os Aviões, a medida tem um caráter diferente.
Não se trata de Sérgio Moro perseguindo os integrantes do Partido dos Trabalhadores.
É uma operação que investiga supostos artistas populares que sempre estavam associados ao coronelismo midiático e lúdico do interior do país.
Gente comprovadamente rica, e que faz arrivismo atingindo o sucesso popular através do jabaculê.
De forma coerente, descreve, a respeito desse esquema, o jornalista e colunista do UOL, Ricardo Feltrin:
"Nesta terça, a banda Aviões do Forró é um dos alvos da operação. Mas ela é só o peixinho pequeno. É controlada por só um dos grupos dentro do "establishment" que controla a música comercial no país.
Quase todos os artistas do chamado "topo" comercial estão nas mãos de menos de 10 empresários em todo o Brasil, que dividiram o país em seus feudos. Qualquer artista famoso que quiser ser contratado para grandes eventos tem de passar por eles, como a um pedágio. Isso vale tanto para shows públicos como em casas noturnas e ou privadas".
Isso explica por que, por exemplo, músicos de MPB e Rock Brasil tiveram uma fase em que estavam complacentes com o brega-popularesco, a ponto de até gravarem duetos com os milionários "ídolos populares".
É para obter uma inclusão na lista de atrações de um grande festival no interior do país.
Daí que membros dos Paralamas do Sucesso mais Dado Villa-Lobos foram tocar com Chimbinha, nos tempos da Banda Calypso.
Ou Nando Reis também tocando Chimbinha e sua ex, Joelma, ou cantando com Zezé di Camargo.
Ou Titãs tocando com Mr. Catra, Tiê gravando música do Calcinha Preta, Geraldo Azevedo cantando com Ivete Sangalo, emepebistas gravando Michael Sullivan.
Esses duetos davam a impressão de que era a MPB e o Rock Brasil que promoviam "inclusão social" ao acolher os bregas, tão "pobrezinhos".
Errado. Os "pobrezinhos" eram, na verdade, a MPB e o Rock Brasil que faziam duetos ou gravavam sucessos bregas, porque os ricos e poderosos são os tais "ídolos populares".
A chamada "música popular demais", embora seja "genuinamente associada" às classes populares, sempre tratou o pobre de maneira caricatural.
Era uma visão que insistia em ser vendida como sendo "combate ao preconceito", mas já apresentava uma imagem preconceituosa das classes pobres. "Romper o preconceito", diante dessa falácia, significava aceitar tudo isso de bandeja, como se fosse o destino do pobre ser imbecilizado.
Além disso, a pecha de "discriminado pela grande mídia" é muito falsa, um discurso construído apenas nos últimos 15 anos pela intelectualidade badalada pela opinião pública, a "intelectualidade bacana".
Este setor da intelectualidade, que reúne cineastas, antropólogos, jornalistas culturais e outros profissionais, dava até um discurso pseudo-ativista aos sucessos comerciais do "povão", tocados nas rádios e exibidos nas TVs.
Só que esses "sucessos do povão" sempre tiveram o apoio do coronelismo midiático.
Latifundiários chegaram a patrocinar ídolos cafonas, no passado, para tentarem carreira em São Paulo.
A farra de concessões de rádio e TV comandada por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães desenhou o que hoje é a dita "cultura das periferias".
Que estabeleceu paradigmas grotescos, piegas e outros aspectos caricaturais, criando um "povo pobre" de traços ridículos, personalidade resignada, talento medíocre e instinto arrivista.
Foi através de Sarney e ACM, e, mais tarde, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, que os ritmos brega-popularescos cresceram.
Empresas de entretenimento eram formadas, estilos musicais eram montados como se fosse uma fórmula ou estrutura de algum produto industrial destinado a ser mercadoria para consumo.
Portanto, estilos como "forró eletrônico", "pagode romântico", axé-music, "funk carioca" e "sertanejo" eram, na verdade, concepções de mercadorias musicais e comportamentais.
Há muito o que investigar, porque as empresas sempre pensaram em lucro, com a mesma ganância de grandes corporações sediadas em São Paulo.
Mesmo pequenas gravadoras do Norte e Nordeste, erroneamente definidas como "independentes" (elas eram até sustentadas pelo coronelismo midiático), tinham uma lógica mercantil tão ou mais voraz,quanto a de uma grande gravadora estadunidense sediada em Los Angeles.
Uma profusão de "conjuntos com donos", liderados por empresários, que trocam vocalistas a cada período, surgiu, a exemplo de intérpretes parecidos uns aos outros.
Composições eram feitas em mesas de negócios ou acertadas como se fosse uma mercadoria oferecida pelo "compositor-fornecedor".
Recentemente, até o "sertanejo universitário", falsa esperança de sofisticação do "popular demais", se prendeu na fórmula da dupla de um vocalista fanho e outro esganiçado.
Os "sucessos do povão" escondiam um capitalismo tão selvagem quanto o que faz os corações da mídia venal baterem mais forte.
Grupos como Aviões do Forró, É O Tchan, ou intérpretes como Zezé di Camargo & Luciano e Tati Quebra-Barraco, só para citar alguns, nunca causaram pavor aos barões da grande mídia.
Pelo contrário. O baronato midiático achava ótimo haver ídolos assim, que distraíam o "povão" e o impedia de participar dos debates públicos esquerdistas, que eram isolados entre sindicalistas, ativistas comunitários e blogueiros alternativos.
A intelectualidade "bacana" queria forçar o vínculo esquerdista do brega-popularesco, mas apesar do discurso ambicioso, esse vínculo sempre foi falso.
Mas também os próprios intelectuais dessa espécie fazem o trabalho "frila" do baronato midiático.
Os "bons esquerdistas" Pedro Alexandre Sanches e Eduardo Nunomura fazem coberturas de eventos patrocinados pelo governo paulista de Geraldo Alckmin.
O supostamente revolucionário "funk carioca" tem Luciano Huck como divulgador em âmbito nacional e sua base política de apoio se situa na ala pró-tucana do PMDB carioca.
A Operação For All, portanto, não tem a ver com Lava-Jato. Ela investigará, a sério, todo o esquema de corrupção associado a um pseudo-popular que movimentava milhões com o apoio explícito da grande mídia e do latifúndio.
Ricardo Feltrin dá uma senha sobre o que virá por aí:
"Para os especialistas da Receita, nos últimos meses surgiu o desenho de um grande esquema de corrupção, que promove lavagem e sonegação por meio da música popular brasileira.
A investigação da operação For All hoje ataca os coniventes com a sonegação. Afinal, se há empresários desonestos que querem driblar o Fisco, antes de mais nada há artistas dispostos a trocar sua suposta arte pela mania de levar vantagem em tudo. É o famoso jeitinho brasileiro".
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