Foi como se moleques atirassem pedras numa vidraça e foram embora.
Intelectuais que defendiam a bregalização do Brasil sumiram sem que tivessem que dar satisfações à sociedade.
Durante uma década eles, com o monopólio da visibilidade e com os microfones livres voltados só para eles, queriam que a degradação sócio-cultural do Brasil fosse aceita sob a desculpa de "combate ao preconceito".
Queriam que acreditássemos que o povo pobre era "melhor" naquilo que tinha de pior.
Alegavam, no seu etnocentrismo, que aquilo era a "alegria" das classes populares.
Era o que elas "sabiam fazer", era o que "acreditavam", era o que "as fazia felizes".
Empurravam ideias duvidosas do que as favelas, a prostituição, o subemprego e o alcoolismo eram a "qualidade de vida" das classes populares.
Eram preconceitos vindos dos colegiados acadêmicos vinculados ao PSDB e aos barões da grande mídia. Sobretudo Globo e Folha.
Mas eram empurrados goela abaixo nas redações de Caros Amigos, Carta Capital, Fórum e Brasil de Fato.
Eram abordagens planejadas nos cafés do Instituto Millenium, mas que quase chegaram aos tapetes de entrada do Centro de Estudos Barão de Itararé.
A intelectualidade "bacana" pagou jabaculê para as esquerdas?
Como intelectuais vindos dos porões da Folha ou que agiam como produtores da Globo ou adidos culturais do PSDB passaram a vestir a capa de "intelectuais de esquerda"?
Não houve um contraponto à altura e, durante uma década, essa visão intelectualoide prevaleceu e complicou os debates esquerdistas sobre os problemas culturais.
O "funk carioca", o tecnobrega, o "sertanejo" e o brega dos anos 1970 adotavam uma retórica falsamente progressista que deixava os esquerdistas desprevenidos.
Debates como os interesses empresariais e o apoio das oligarquias midiáticas foram deixados de lado, assim como aberrações morais que estavam por trás dos fenômenos "populares".
Esqueceram que o coronelismo regional patrocinava muito dessa "cultura popular demais".
Esqueceram que essa "cultura" se propagou com maior intensidade depois que dois oligarcas regionais, José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, deram rádios e TVs de presente para empresários e políticos aliados.
É uma "cultura" que foi apoiada pela ditadura militar, pelo latifúndio, pelas multinacionais e pelo baronato midiático.
Que "valor progressista" esperar disso?
Que "ativismo social" e "rebelião popular" se espera com o povo pobre indo que nem gado para o galpão do subúrbio onde se apresenta o "ídolo do momento"?
O modismo de temporada era descrito como se fosse a etnografia de amanhã.
O jabaculê de hoje era defendido como se fosse o folclore do futuro.
Até grupos musicais com "donos", ou seja, inventados por empresários gananciosos, tinham sua chance de obter uma reputação de "autêntico folclore popular".
Os glúteos siliconados poderiam ser a "nova voz da MPB". A tal "MPB com P maiúsculo".
Rádios controladas por latifundiários assassinos poderiam oferecer um cardápio musical que estaria garantido para a agenda progressista de amanhã.
Ídolos cujo sucesso foi comprado pelo jabaculê passariam a ditar as normas da cultura popular do futuro.
Mulheres educadas com padrões eróticos machistas iriam impor um modelo supostamente ideal de feminismo popular.
Era isso que intelectuais que vieram dos escritórios do PSDB para se tornarem, em 2003, "esquerdistas sinceros", queriam para a cultura popular.
Usavam o "combate ao preconceito" para inserir novos e graves preconceitos.
Achavam que o "ideal" era o povo permanecer na sua inferioridade social, que os intelectuais "bacanas" definiam como "pureza" e "inocência".
Eles sabotavam o debate da cultura popular dizendo que não era bom mexer no que o povo pobre curtia, consumia e fazia.
Acusavam qualquer tentativa de debate de ser um suposto higienismo social.
Os intelectuais "bacanas" não queriam que o povo pobre se educasse melhor e desenvolvesse uma cultura de verdade.
Primeiro, defendiam que o povo pobre permanecesse na sua simbologia de pobreza, ignorância e indigência, sob a desculpa de que isso era a "felicidade" e a "sabedoria" das classes populares.
Segundo, pediam a aceitação da classe média para que, assim, as elites socorressem os paradigmas do "popular" mais rasteiro e repaginassem seus ídolos e ícones para valores mais elitistas.
Como, por exemplo, transformar os ídolos do "sertanejo" e do "pagode romântico" do começo dos anos 1990 em pastiches de uma MPB pasteurizada que, pouco tempo atrás, a indústria fonográfica tentou impor aos emepebistas.
Um "ídolo popular" engomado, empolado, cheio de banho de loja, tecnologia e efeitos especiais.
Ou uma siliconada convertida a "feminista séria" ou "musa fitness".
Ou um apresentador de policialesco transformado em "animador cult".
Ou na baixaria televisiva transformada em suposta relíquia saudosista de futuras gerações.
Eram dois Brasis que se via na mídia esquerdista.
Um, em textos como os de Emir Sader, Rodrigo Vianna, Laurindo Lalo Leal Filho, Marilena Chauí e Altamiro Borges, com um povo mais atuante, que mobilizava, questionava, lutava por melhorias.
Outro, em textos como os de Pedro Alexandre Sanches, com um povo estereotipado e debiloide, que apenas consumia a "cultura" midiática, e que só queria que a sociedade aceitasse como "positivas" as qualidades negativas tendenciosamente associadas ao povo pobre.
Não podia ser um mesmo Brasil.
Um Brasil da cidadania e do ativismo e outro Brasil do consumismo e da degradação.
Só o jabaculê que a intelectualidade "bacana", através de seu príncipe de Maringá - é ilustrativo que Pedro Alexandre Sanches seja conterrâneo de Sérgio Moro - , para explicar essa junção forçada dos dois Brasis.
Tudo para confundir a opinião pública de esquerda e abrir caminho para o pseudo-ativismo de direita.
Com seu "querido Lula" e "querida Dilma", Sanches abriu caminho para Michel Temer.
Nada mais transbrasileiro. Fernando Henrique Cardoso que o diga.
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