Era uma vez um mundo encantado.
Subúrbios, roças e sertões transformados em Disneylândias do consumismo e da espetacularização.
Antropólogos, sociólogos, cineastas, jornalistas culturais e outros famosos com um discurso sofisticado, que repercutia beneficiado pela alta visibilidade destes agentes.
Que prometiam transformar o modismo do momento na etnografia da posteridade.
Que desejavam transformar o jabaculê de hoje no folclore de amanhã.
E juravam de pés juntos que o que defendiam era "totalmente desprovido de preconceito".
De repente, a máscara caiu.
A "verdadeira cultura popular" que eles defendiam se mostrou tosca e sem importância.
Ídolos que muitos pensavam que iriam causar uma "revolução popular no Brasil" se perderam em factoides e declarações fúteis.
Ídolos que pareciam pretensos exemplos para as causas progressistas surtaram em diversos contextos do conservadorismo ideológico.
As esquerdas não poderiam criticar o "funk", que ainda fez todo aquele jogo de cena para se passar por aliado de Dilma Rousseff.
Mas, como um Cabo Anselmo, o que o "funk" mesmo queria era distrair o "povão" enquanto parlamentares se preparavam para votar o impeachment.
Além disso, o objetivo do "baile funk" de Copacabana era confundir e desnortear a imprensa estrangeira, diante da espetacularização do protesto, dando sossego aos deputados corruptos que se preparavam para pedir a versão "jurídica" do "Fora Dilma".
Afastada a presidenta, os funqueiros baixaram a cortina do espetáculo pseudo-progressista.
Com Temer no poder, o "funk" foi comemorar seus louros com os barões midiáticos.
Os funqueiros passaram a esbanjar luxo, com festas caríssimas, viagens à Disney etc, dando "beijinho no ombro" nos movimentos sociais.
Enquanto isso, as verdadeiras favelas sofriam os dramas de sempre e, mais uma vez, com sérias ameaças de voltar à baixa qualidade de vida depois de obter relativas conquistas sociais dos governos do PT.
Afinal, as ditas "periferias" estavam diante de um projeto político conservador.
Os funqueiros nem estavam aí.
E aí veio o caso do estupro coletivo em Jacarepaguá, e o "funk", autoproclamado "a Música de Protesto Brasileira", nem estava aí.
Pelo contrário, o incidente ocorreu citando um sucesso do gênero, "Mais de 20 Engravidou" de MC Smith, conhecido ícone do "proibidão".
Ele alega que citou machismo "sem apologia" e que só "narra a realidade".
É, mas então MC Biel também "retratou a realidade" quando assediou de forma agressiva uma repórter do portal IG, que não quer se identificar.
Ele chamou a repórter, de 21 anos, de "gostosa" e disse que a "quebraria no meio".
Mesmo depois da denúncia, MC Biel não se arrependeu do que fez e acusou a repórter de se promover às custas do "sucesso" do rapaz, na verdade um genérico de Justin Bieber, da mesma forma que MC Guimê é um genérico do Eminem.
Aí os "militantes" funqueiros dizem que isso não tem a ver, que o MC Biel "não representa a causa", "é branquinho e rico" etc.
Mas agora dizem isso. Antes o "funk" era unido e qualquer nome de elite que encampasse o "funk" estava "sintonizado com a cultura das periferias".
Agora, a "grande família do funk" se desentende e diz que certos nomes "nunca expressaram a vida nas favelas".
Vá entender.
E aí vem o caso da Lei Rouanet, criada durante o governo Fernando Collor e que virou um "caixa dois" do comercialismo do entretenimento brasileiro.
Quando o PT estava no Governo Federal, intelectuais pró-brega que em 2001 pareciam estar de mãos dadas com Fernando Henrique Cardoso foram se passar por "esquerdistas convictos".
Era um tal de "querido Lula" ou "querida Dilma", para lá e para cá.
A mesma intelectualidade "bacana" citada no começo desta mensagem.
E aí, com o afastamento de Dilma, com a ameaça de extinção do Ministério da Cultura, que chegou a ser concretizada mas foi desfeita sob protestos, a intelligentzia ficou transtornada.
Agora é investigar quem ganhou mais dinheiro com a Lei Rouanet.
Que mais parecia se voltar para eventos privados e de grande apelo comercial.
Era o papo da "ruptura do preconceito".
Rejeitava-se a "discriminação" do comercialismo cultural, porque "tudo é cultura", "todas as expressões são válidas".
Mas com esse "combate ao preconceito", criou-se o preconceito ao que não é comercial.
De que adianta "não discriminar" atrações voltadas ao grande público, se discrimina outras que nem se voltam tanto assim, apesar de ser culturalmente mais relevante?
Vejam os "grandes eventos" que recebiam verbas públicas: o Rock In Rio e franquias de produções de teatro da Disney.
E os "grandes artistas": Cláudia Leitte, Luan Santana, MC Guimê, Tchakabum e várias duplas de "sertanejo universitário".
Ou seja, atrações que já possuem uma fartura de recursos privados e são apoiadas até pelas corporações midiáticas e empresas multinacionais.
Como se vê, a casa caiu para a intelectualidade "bacana" e seu "mundo encantado".
Só que as "periferias" do consumismo e da espetacularização buscaram calar as vozes populares no debate público, já que elas estavam ocupadas com a "diversão".
E aí a intelectualidade "sem preconceitos" deveria ficar feliz com a queda de Dilma.
Ficam sem o dinheiro da Lei Rouanet, mas podem recorrer aos barões da grande mídia.
A "cultura" que os intelectuais "bacanas" defendiam é a mesma promovida pela mídia corporativa.
Comentários
Postar um comentário