Parece matéria do Sensacionalista, mas podia muito bem ser matéria do Surrealista.
Michel Temer está inelegível para qualquer cargo político durante oito anos.
Nem eu acreditei, e a revelação, feita pelo jornalista Glenn Greenwald, irritou os barões da mídia, fazendo com que um editorial de O Estado de São Paulo pedisse a expulsão do correspondente do Brasil.
Mas é verdade. Está noticiado no Conjur.
Temer havia sido condenado, em novembro de 2015, pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, por ter feito doações acima do limite para campanhas eleitorais em 2014.
Temer havia declarado rendimentos de R$ 840 mil e só poderia doar 10% do mesmo, ou seja, R$ 84 mil. Doou R$ 100 mil, 19% a mais do que o permitido pela lei.
Diante disso, Temer não está impedido de exercer os cargos políticos que desempenha, no caso vice-presidente da República na época e, hoje, presidente em exercício.
Mas ele não poderá se candidatar a novos cargos, já que é um "candidato ficha-suja".
E tem gente ainda apelando para o "Avante Temer".
O governo Temer sofre uma sucessão de escândalos, gafes, retrocessos, recuos, arbitrariedades.
Do contrário de outros governos interinos, não houve o chamado "choque de otimismo".
O "choque de otimismo" é quando um novo governo cria um estado de esperança coletiva de futuras melhorias, e mesmo alguns governos duvidosos começaram dentro deste clima.
O desastroso governo de José Sarney começou com um "choque de otimismo". Eu mesmo, adolescente, percebi e senti esse clima, um "alto astral" que poderia ser ilusão, mas era a sensação que havia naqueles idos de 1985-1986.
Até o governo de Fernando Collor, mesmo com o confisco da poupança, também trouxe essa ilusão.
Mas o governo Temer, não.
Em menos de um mês de governo, acumulou-se uma sucessão de escândalos.
Dois ministros tiveram que deixar seus cargos de maneira prematura, diferente da eventual mudança de ministros que as circunstâncias faziam, geralmente em meio ano de governo.
Temer teve que recuar de algumas decisões políticas, como o fim do Ministério da Cultura e o corte de investimentos do Minha Casa, Minha Vida.
Da mesma forma, teve que distribuir novas secretarias para mulheres, depois que foi denunciado por compor um ministério só de homens.
Mesmo assim, pôs uma beata religiosa para a Secretaria Nacional da Mulher, Fátima Pelaes.
Para cada recuo, um "mico". Da mesma forma que, mesmo "ressuscitando" o Ministério da Cultura, criou uma Secretaria Especial do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, entidade paralela ao conhecido IPHAN (instituto).
Ou seja, Temer matou o MinC, o ressuscitou, mas em compensação busca enfraquecer o IPHAN.
Temer recuou quando tentou substituir o presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, Ricardo Melo, por Laerte Rimoli, apoiado pelas Organizações Globo.
Rimoli iria transformar a EBC, entidade pública de Comunicação, numa TV semi-educativa de caráter comercial, nos moldes da TV Cultura de São Paulo.
Uma TV que serve mais aos governos (conservadores) do que à sociedade.
Mas aí o STF verificou que Ricardo Melo foi exonerado sem motivo, antes de qualquer fim de contrato, e aí ordenou Temer a reconduzi-lo à EBC, exonerando Rimoli.
Temer realiza uma "faxina ideológica" tirando, só da EBC, jornalistas comprometidos com a causa progressista, como Teresa Cruvinel, Luis Nassif, Paulo Moreira Leite, Sidney Rezende, Albino Castro e Emir Sader.
Ironicamente, vários deles com experiência na mídia conservadora, da qual se desiludiram com uma contundente sinceridade.
Temer mexe demais para um presidente interino, trocando os membros dos cargos diversos que sejam progressistas pelos que se alinham ao neoliberalismo do atual titular da República.
No IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), o sociólogo Jessé de Souza, autor do livro A Tolice da Inteligência Brasileira, foi substituido pelo economista Manoel Pires.
Mas como Pires era indicação de Romero Jucá, ministro do Planejamento derrubado por uma gravação em que se revelava o golpe contra Dilma Rousseff, o substituto não chegou a ficar muito tempo no cargo.
Pires foi substituído pelo também economista Ernesto Lozardo.
O governo Michel Temer é marcado por muita confusão e escândalos, que nem aqueles que o apoiam têm segurança de que ele se efetive até o fim de 2018, como sonhavam os opositores de Dilma.
Nem o esquisito governo Jânio Quadros, que exatos 55 anos atrás tinha também uma crise política extrema, inspirava tanta insegurança e apreensão.
Curiosamente, uma ponte liga Jânio a Temer, e não é a fragilidade política, peculiar em cada caso, apesar de serem políticos conservadores que fizeram concessões levemente "progressistas".
Jànio competiu, na década de 1980, com Fernando Henrique Cardoso na disputa para a Prefeitura de São Paulo.
Fernando Henrique Cardoso é um dos políticos que apoiam o atual governo de Michel Temer.
É por causa desse apoio que FHC teve que cancelar uma palestra em Nova York por causa de um protesto de intelectuais que, em abaixo-assinado com mais de 400 adesões, protestaram contra a participação do sociólogo e ex-presidente, identificado com o golpismo político atual.
Esses são apenas alguns episódios.
Um governo que, em menos de um mês, dá um livro inteiro de escândalos e incidentes graves.
O governo Temer está em sério colapso, sem legitimidade, sem apoio popular e com uma base de apoio de empresários, políticos, religiosos, executivos de mídia, rentistas e tecnocratas, já preocupada com a impopularidade do presidente interino.
A crise parece rumar para níveis incontroláveis, e Temer não tem garantias seguras de se transformar de presidente interino a efetivo e governar até 2018.
E isso com uma decisão judicial que o impede de concorrer a novos cargos políticos, por oito anos.
Somos governados por um condenado por sentença judicial, por causa de doações excessivas em campanha.
Se isso poderá trazer alguma coisa boa, é para o anedotário popular.
Que o diria o saudoso Sérgio Porto, na pele do Stanislaw Ponte Preta e seu "festival de besteiras".
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