A que ponto foi a chamada "cultura transbrasileira" que os intelectuais "bacanas", aqueles que prometiam transformar o jabaculê de hoje no folclore de amanhã, queriam defender.
Espertos, esses antropólogos, sociólogos, cineastas e jornalistas culturais, entre outros, vinham dos porões das elites acadêmicas associadas à Folha de São Paulo e ao PSDB para fazer proselitismo na mídia de esquerda.
Enquanto empurravam estilos musicais e padrões comportamentais defendidos pela Globo e Folha para as páginas esquerdistas, faziam um falso discurso ativista e bajulações baratas a Lula e Dilma.
Tudo visando uns trocados do Ministério da Cultura.
Preconceitos sócio-culturais que viam as classes populares de maneira caricatural e associada aos padrões depreciativos de vida trazidos pelo poder midiático eram descritos como "a verdadeira cultura popular".
A munição, ambiciosa, incluiu grandes reportagens, documentários e monografias.
E aí, quando tudo está feito, e os debates culturais eram bloqueados pela desculpa de que isso era preconceito, que todo mundo tinha que aceitar o jabaculê do brega-popularesco, a convulsão social veio.
Não houve um debate cultural à esquerda, e com isso a direita fingiu encampar o debate que faltava para depois surtar e, com suas camisetas verde e amarelo, pedir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Pronto. E aí temos o insosso Michel Temer e seu projeto de retrocessos sociais diversos.
E a tal "cultura transbrasileira", ou "tranzbrazyleyra", para usar um pouco de galicismo pseudo-tropicalista e falsamente glauberiano?
Os caras nem estão aí para o povo do qual supostamente representam culturalmente.
Vemos funqueiras antes associadas ao feminismo viajando para a Disney, cantores de arrocha e "sertanejo universitário" comprando carros milionários, jogadores de futebol comprando mansões, cantores de axé-music comprando latifúndios.
Teve funqueiro comemorando 18 anos com festa milionária de fazer socialites ficarem boquiabertas.
E aí vemos o ídolo Wesley Safadão, "síntese" de todo aquele "dirigismo" que a intelectualidade "bacana" empurrava para intelectuais sérios não questionarem o sucesso de Calcinha Preta e Banda Calypso.
Ele fatura, mensalmente, de 8 a 12 milhões de reais, valor que um cidadão comum está longe de atingir até mesmo no fim da vida.
Só por uma única apresentação, o "tranzbrazyleyro" Wesley Safadão ganha em média R$ 600 mil.
Cerca de 170 vezes o salário que um servidor público ganha por mês.
Sim, uma única apresentação, de em média duas horas, de Wesley Safadão e sua música de valor duvidoso rende muitíssimo mais do que vinte dias (160 horas) de serviço público.
Num Brasil em crise, isso é um acinte.
Os trabalhadores, com risco de verem reduzir até o precário dinheiro que recebem e ter um padrão profissional de um trabalhador informal por causa do plano Temer, veem atônitos um suposto representante cultural das classes populares, mas patrocinado pelos barões da mídia, se tornar multimilionário.
E para quem vê que os retrocessos da "cultura transbrasileira" pararam aí, é bom se preparar.
A funqueira Renata Frisson, a Mulher Melão, que divulga uma sessão de rotineiras fotos "sensuais", foi convidada pelo portal Ego, das Organizações Globo (leia-se famiglia Marinho), para mostrar seu corpo sob uma temperatura de oito graus, com sensação térmica inferior.
Foi no Parque Nacional da Tijuca, numa "façanha" elogiada pelo texto do portal Ego.
"Me trouxeram no lugar mais frio do Rio de Janeiro, mas eu sobrevivi. Vou confessar que a gente sente até um pouquinho de frio, mas dá pra ignorar e continuar belissíma. Ou seja, nesse inverno, se você tiver que colocar aquele look mais periguete, mais despojado, pode colocar e pode ir pra pista. Estamos juntos nessa batalha", disse a funqueira.
Melão é a mais ambiciosa das "mulheres-frutas" e chegou a atrapalhar um evento de topless voltado a causas sociais com seu perfil pitoresco que desviou a atenção de jornalistas.
O topless seria para difundir problemas como o câncer de mama, o estupro, a sexualidade feminina e seus dilemas.
Mas reduziu-se a uma grotesca ostentação de quem não estava aí para engajamento.
O "feminismo" de Mulher Melão é falso.
Na verdade, um machismo travestido, através de uma genérica de Ju Isen que se esconde sob a capa "socializante" do "funk carioca".
O próprio perfil de "periguete" já é um tipo de mulher criado pela atual ideologia machista.
Mulher Melão é um tipo de mulher-objeto bem mais perigoso do que os comerciais de TV mostram, já de maneira pejorativa.
Isso porque o "funk" cria um escudo ideológico que permite devolver ao público as baixarias que os movimentos sociais com muita dificuldade tentam combater.
A funqueira é uma das mulheres siliconadas que fazem tudo que os movimentos feministas condenam, associados ao desejo frenético das "turbinadas" atingirem padrões "ideais" de beleza.
Usam botox, fazem plástica nos olhos, maquiam demais, põem silicones, fazem lipoaspiração, afinam a cintura e tudo o mais.
Isso em si não é ruim, mas da forma como a ideologia da mulher reduzida a uma mercadoria sexual trabalha isso é muito, muito nocivo.
E que fez muitas mulheres morrerem na busca frenética por qualquer clínica estética acessível, por causa de cirurgias irregulares cujos problemas variam da falta de higiene a erros médicos.
Não bastasse esse processo voraz de coisificação da mulher, ainda há a questão do frio.
Claro, mulher-objeto pode usar pouca roupa no frio, que "sobreviverá".
É um discurso machista perverso que está por trás dessa "sensualidade à prova de frio intenso".
A mulher-objeto, sendo uma "coisa", não é afetada pelo frio. A mulher que é considerada gente, sim, e morreria em tais circunstâncias.
Ninguém percebe isso.
Daí os 33 estupradores de uma moça que vieram do "nada" de um subúrbio carioca.
Até esse episódio acontecer, a intelectualidade "bacana", tida como "sem preconceitos", definia as periferias como inocentes paraísos em que o grotesco e a licenciosidade ocorriam "sem culpa".
Contraditoriamente, os funqueiros, depois dessa ocorrência dramática, tentaram dizer que o "funk" não veio de Marte, que reflete a realidade do país, que o machismo era culpa de uma socidade perversa etc etc etc.
Mas o "funk" prometia combater tudo isso. Afirmava-se "feminista", "pedagógico", "cidadão".
Quando tudo estava bem, as periferias podiam ser machistas, pornográficas, embriagadas etc que a intelectualidade etnocêntrica, no alto de seus apartamentos confortáveis, afirmava que tudo estava culturalmente às "mil maravilhas".
Como o fato do estupro repercutiu mal, os funqueiros reclamam, a intelectualidade "bacana" se esconde e ninguém assume a responsabilidade de defender tantos retrocessos sócio-culturais.
Daí que, no governo Temer, é esse pessoal que está muito bem.
Cantores e subcelebridades popularescos, acumulando dinheiro sem necessidade ou difundindo valores retrógrados, como o machismo.
Se é essa a "cultura transbrasileira" que os intelectuais "bacanas" tanto queriam que as forças progressistas apoiarem, isso é lamentável.
Prova que a intelectualidade "bacana", que sonhava por um Brasil brega, quis apunhalar as esquerdas pelas costas e levar o dinheiro que pôde arrancar do Ministério da Cultura.
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