Alguém tem que lembrar ao ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e ao ministro da Cultura, Marcelo Calero, que estamos no século XXI e a Censura Federal está extinta há 28 anos.
Os dois resolveram, em conjunto, censurar o filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho (de O Som ao Redor), estrelado por Sônia Braga.
A exibição do filme está restrita a maiores de 18 anos.
A desculpa é que o filme apresenta "cenas complexas de sexo".
Desculpa improcedente.
Na televisão aberta, sobretudo a Rede Globo, baixarias muito mais graves são exibidas para um público que nem chegou aos 15 anos de idade e não há censura do tipo.
Da mesma forma, programas policialescos, como Cidade Alerta (Rede Record) e Brasil Urgente (Rede Bandeirantes) mostram crimes sangrentos quando crianças entram em casa voltando da escola.
Mas, aos olhos desse temeroso governo, a TV aberta é "absolutamente responsável".
E Kleber Mendonça Filho é até elegante em suas narrativas.
Ele procura mostrar a realidade apenas de forma coerente, sem sensacionalismos nem castrações.
Se há violência, ela é apenas um aspecto da realidade conflituosa do enredo. O sexo, a mesma coisa.
Não é algo para influenciar alguém ou vender produtos.
As novelas vendem sexo, os programas policialescos vendem violência. E empurram a petizada para se tornar pervertida nessas duas situações.
O que está em jogo, na censura a Aquarius, brilhantemente protagonizado por Sônia Braga (que se identificou com a proposta do filme), é apenas uma retaliação política.
Marcelo Calero não gostou de ver o elenco e a equipe do filme expondo o que o ministro define como "divulgação negativa do Brasil".
No último Festival de Cannes, atores e diretor exibiram cartazes em inglês protestando contra o governo de Michel Temer.
Não era uma propaganda negativa do país, mas o protesto contra um governo claramente ilegítimo.
Além da censura, o governo Temer pretende mobilizar um lobby para impedir que o filme seja indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.
A comissão para a escolha do filme brasileiro a tentar uma vaga nas indicações do Oscar já escolheu, entre seus membros, o crítico Marcos Petrucelli, que reprovou o protesto da equipe de Aquarius em Cannes.
Dois cineastas, Gabriel Mascaro, de Boi Neon, e Anna Muylaert, de Mãe Só Há Uma, se mostraram solidários a Kleber e decidiram não inscrever seus filmes na comissão.
Anna Muylaert já é ativista contra o governo de Michel Temer e uma das defensoras pela volta de Dilma Rousseff ao Governo Federal.
O verdadeiro motivo da censura a Aquarius é simplesmente esta.
Proibir que menores de 18 anos vejam o filme e se identifiquem com cineasta e atores que se mobilizaram contra o governo temeroso.
Muitos jovens de 15 a 17 anos são potenciais manifestantes que podem influir no desgaste de governos autoritários.
O filme poderia oferecer um diálogo para o público juvenil, já que o cinema de Kleber Mendonça Filho é um dos raros que estimulam o público a pensar.
Essa interação pode fazer os jovens questionarem ainda mais as coisas, a partir da temática do edifício Aquarius.
E, com isso, se unirem e se mobilizarem contra o governo Temer.
Esse é o medo que o governo temeroso sente diante do filme, que pode despertar os jovens a rediscutir o país e lutar contra seus retrocessos.
Daí a censura desmobilizadora feita pelos ministérios da Justiça e da Cultura do governo interino.
Comentários
Postar um comentário