1985-1987. Neste intervalo de tempo, o então presidente da República, José Sarney, e seu ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, ambos velhos oligarcas civis que serviram a ditadura militar, resolveram fazer um plano.
Para compensar a redemocratização do país, os dois "coronéis" resolveram dar de presente para políticos aliados e empresários "idôneos" solidários, concessões de emissoras de rádio e TV em todo o país.
Era a senha para o crescimento do coronelismo midiático que se deu já em 1990, com Fernando Collor comemorando sua vitória eleitoral sob o ritmo do "sertanejo", do "pagode romântico", da axé-music e do "funk".
Era o desmonte da Música Popular Brasileira com caricaturas de ritmos regionais, como o samba, as catiras, o baião, o lundu, o carimbó e outros através de ídolos canastrões e americanizados.
Não reprovamos a assimilação de influências estrangeiras, mas quando se fala em "americanização", se fala de uma assimilação vertical, imposta pelo mercado.
A multiplicação de rádios FM politiqueiras provocou o desmonte da cultura popular, completando o trabalho dos tempos dos generais Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Naquela época, a bregalização já transformava subúrbios, roças e sertões em caricaturas emporcalhadas da Flórida, em uma versão "real" da latinidade exposta nos enlatados estadunidenses e nas novelas comerciais hispano-americanas.
Isso tudo se ampliou em 1990, chegando aos salões da classe média, por vezes entrando nas portarias dos condomínios das classes emergentes.
A intelectualidade "bacana" tenta convencer, com um discurso engenhoso, que essa é a "verdadeira e genuína cultura do povo pobre".
Uma "cultura" caricata, diga-se de passagem, que tenta ser legitimada pelos mais avançados instrumentos discursivos.
Esses instrumentos podem ser monografias ou documentários cinematográficos ou então longas reportagens do "mais puro jornalismo".
Mas essa roupagem objetiva também lança mão de estilos de abordagem, como o Novo Jornalismo (New Journalism) e a História das Mentalidades (Annales).
Interpretações levianas de ideias defendidas por autores antigos, como Oswald de Andrade e Gregório de Matos, também são feitas para legitimar a baixaria entreguista do brega-popularesco.
A intelectualidade "mais legal do país" define esse engodo cultural como "cultura transbrasileira" ou "popular demais" e acha que todo esse lixo é "genial".
E vão para a mídia esquerdista esfregar na cara de seus leitores suas teorias emporcalhadas que transformam o povo pobre em uma multidão debilitada e consumista.
O brega-popularesco surge de maneira avassaladora, patrocinado pelas mídias oligárquicas regionais e nacionais que a intelectualidade "bacana" finge não existir.
Até o "funk", que as esquerdas equivocadamente acreditam ser o "suprassumo do socialismo cultural", deve muito a Sarney, ACM e Collor.
O "funk" que se conhece desde 1990 foi patrocinado por deputados e vereadores do Estado do Rio de Janeiro que apoiavam abertamente o governo do "caçador de marajás".
Além disso, o "funk" cresceu pelos espaços que a Rede Globo abriu para o ritmo.
Nessa época, coletâneas de "funk" eram lançadas pela Som Livre.
E a raiva que recentemente o DJ Rômulo Costa, evangélico, expressou contra o deputado Eduardo Cunha, evangélico, mais parece uma briga de alguém que já foi aliado um dia e houve traição depois.
É algo como Eduardo Cunha decidindo denunciar Michel Temer.
O "funk" é o carro-chefe de toda essa deterioração da cultura popular.
Que envolve o empastelamento dos ritmos regionais brasileiros, a veiculação de jornalismo policialesco, a prevalência das fofocas sobre a informação, a banalização da violência e do grotesco, a profusão de mulheres-objeto que aceitam virarem meras mercadorias eróticas.
Os intelectuais que se dizem "sem preconceitos" apresentam preconceitos extremamente cruéis, dignos de plutocratas reacionários enrustidos.
Para eles, as "melhores qualidades" do povo pobre são o que este apresenta de pior.
Viver em barracos vulneráveis nas favelas, trabalhar no subemprego do comércio clandestino, moças vivendo na prostituição, idosos viciados na embriaguez, tudo isso é "maravilhoso", diz o intelectual "bacana" que se diz "amigo do pobre" nas mídias esquerdistas.
Sensacionalismo, pieguice, pitoresco, aberrante, para os olhos da "generosa" intelectualidade, é "isso o que o povo quer".
Para esses intelectuais, "bonito" é ver pobre rebolando, mostrando dentes banguelas, sorrindo feito um débil-mental.
"Feio" é pobre fazer passeata pedindo melhorias para o bairro. Reforma agrária, então, pior ainda.
E esses intelectuais ainda ficam escrevendo, para "matar o tempo", artigos panfletários exagerados, com falsos ataques à Globo, Temer e o PSDB, com falsos elogios a Dilma Rousseff e Lula.
Como se isso pudesse convencer qualquer um do "esquerdismo" desses intelectuais "provocativos".
Eles desmontam a cultura brasileira, e praticamente mandam o povo pobre "ir lá brincar de ser ativista" com sua "cultura de mau gosto".
E eles vão depois anunciando a "ditabranda do mau gosto" para combater a suposta "ditadura do bom gosto" simbolizada por Chico Buarque.
Vai Chico Buarque prestar solidariedade aos protestos contra Michel Temer e o que vemos depois?
Entra em ação o "bom esquerdista" Pedro Alexandre Sanches, colaborador "frila" dos barões da mídia cujos métodos não são muito diferentes que os do conterrâneo Sérgio Moro, ambos maringaenses bebendo das fontes do tucanato paulista-paranaense;
Sanches, mesmo de forma indireta, voltou a pregar que a "velha e desgastada" MPB já deu o que tinha que dar, que o "compromisso" da MPB agora é acolher safadões e popozudas.
Parece estranho que Sanches talvez não pessoalmente, mas com o seu lobby de intelectuais associados, venha a bradar contra Chico Buarque logo quando este protesta contra Michel Temer.
Depois Sanches vai escrever um de seus artigos-panfletos enfeitando com fotos de gente com faixas de "Fora Temer".
O "filho da Folha" que, no portal da Carta Capital, é capaz de, como editor, publicar eventos patrocinados por Geraldo Alckmin, estava de férias quando Buarque foi hostilizado por dois burgueses de direita.
Se estivesse trabalhando, Sanches teria que multiplicar os dedos para adotar uma posição que evite a desconfiança dos esquerdistas médios que leem seus textos às pressas.
Ou Sanches teria que defender Chico Buarque para não deixar a máscara de "jornalista de esquerda" cair, ou teria que defender os "coxinhas", para justificar sua aversão ao compositor.
Graças a Sanches e todo o lobby de intelectuais solidários, todos com formação neoliberal, foram sabotados os debates culturais de esquerda.
A ideia é afastar o povo pobre dos debates públicos, inventando que "ativismo" é a "cultura de mau gosto" que as classes populares são induzidas a "representar" pelo poder midiático.
Sem o povo pobre participando dos debates, eles foram esvaziados e enfraquecidos com os mesmos representantes de sempre, como sindicalistas, políticos de esquerda, ativistas e líderes comunitários.
Viraram debates "privados", sem culpa de seus envolvidos.
O povo pobre é que tinha que se ocupar com a "cultura popular" da Globo e se desligar de seus próprios problemas, porque "ser pobre é bonito", "viver na pobreza é uma coisa maravilhosa".
Os pobres é que esperem a classe média dizer se eles precisam de saneamento, cidadania, cesta básica e melhorias para a saúde.
É como se o povo pobre não tivesse vontade própria. Até a "cultura popular" que a intelectualidade "bacana" atribui aos pobres é, na verdade, ditada pela mídia plutocrática, patrocinada pelo coronelismo regional.
Triste atitude de uma intelectualidade que tem o cinismo de dizer que é "progressista", querendo um povo pobre caricato portando uma "cultura" imposta de cima.
Uma "cultura" americanizada, que mistura o pior da Flórida com o pior do Paraguai (de preferência o Paraguai do atual presidente Horácio Cartes), e que os "pensadores bacanas" definem como "cultura transbrasileira".
"Transbrasileira" é o sinônimo do "transnacional" de Fernando Henrique Cardoso, do mesmo PSDB de Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin que a intelligentzia finge odiar.
"Americanização" não é o mesmo que "antropofagia", porque, no primeiro caso, as referências estrangeiras são decididas "de cima", através das programações de rádio e TV e das páginas da imprensa popularesca.
A "americanização" que foi sempre o princípio da "cultura brega", que reúne princípios de colonização, terceirização e precarização, tem por objetivo derrubar identidades culturais brasileiras.
Tende transformar o povo pobre em caricatura, com apetite consumista exagerado, apegado aos valores grotescos e medíocres e desprovido de verdadeiro ativismo social.
É esse o objetivo desse desmonte do patrimônio cultural brasileiro, feito já nos bastidores da Era Lula e Dilma por intelectuais que, pouco antes, aprendiam uma visão claramente mercantilista da cultura.
É como diz o ditado: "cultura fraca, povo fraco".
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