A intelectualidade em geral, mas em especial a "bacana", se cansou da MPB.
Não suportam mais Caetano Veloso (por sinal, aniversariante de hoje), Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina, Gal Costa.
Acham que o "mau gosto" que domina as rádios é que é a "nova" e "verdadeira" MPB.
E esfregam nas caras dos outros: "queiram ou não queiram vocês, elitistas!".
Falam da mesma pasmaceira de "preconceito", que ninguém aguenta mais.
Esse negócio de dizer que aceitar o brega-popularesco é "romper o preconceito" é muito mais surrado do que dizer que Chico Buarque é o que existe de melhor na MPB.
Mas MPB não é só Chico Buarque.
A MPB não é Academia Brasileira de Letras. Mas também não é Casa da Mãe Joana.
Tem mulher-fruta que posa fotos sensuais, faz topless, faz declarações sobre o tipo de homem que gosta ou não, posta foto no Instagram, faz plástica no rosto, põe silicone nos seios e nos glúteos.
Faz uma música chinfrim que não tem pé nem cabeça, mas o intelectual a adota para o "panteão" dos "injustiçados" da MPB.
Toca nas rádios, aparece para programa de TV, vende discos, está em cartaz em revistas e jornais e "está bombando" na Internet.
Contribuição para a MPB? Faz qualquer porcaria, desde que faça sucesso e cause polêmica e possa desafiar o pretenso olimpo de Chico Buarque de Hollanda.
O "coronel da Fazenda Modelo", amigo de Lula e Dilma, voz maior dos protestos contra Michel Temer.
Já o "esquerdista sincero" Pedro Alexandre Sanches, o aluno-modelo do ex-patrão e eterno colega Otávio Frias Filho, escrevendo "Fora Temer" como num "Ctrl+C / Ctrl+V" mental.
Ele, que adaptou Francis Fukuyama e a Teoria da Dependência de Fernando Henrique Cardoso - com o binômio "transnacional FHC / transbrasileiro PAS", para a música brasileira.
Isso para não dizer os funqueiros, tão festejados pelas esquerdas, mas apunhalando-as pelas costas quando comemoram seu sucesso abraçando e beijando na boca os barões midiáticos.
Seria ingênuo dizer que um funqueiro aparece no Caldeirão do Huck ou The Noite para confrontar Luciano Huck e Danilo Gentili.
Se fosse assim, não teríamos uma entrevista de divulgação de trabalho, mas um sequestro nos moldes de ocupação guerrilheira.
Mas as esquerdas médias, que preferem o "funk" a Chico Buarque, acham que os funqueiros defendem a regulação da mídia e combatem o coronelismo midiático.
É essa crença ingênua que abriu o caminho para Michel Temer tomar o poder.
Lembra os anos de João Goulart, quando o marinheiro Cabo Anselmo e o húngaro Peter Kellemen viraram heróis tardios do esquerdismo de resultados.
Cabo Anselmo, com um papo parecido com os funqueiros: no lugar das periferias, os militares de baixa patente. Mas é o mesmo coitadismo, a mesma mania de posar de vítima.
Peter Kellemen, com seu "Brasil para Principiantes", um livro que até vale como relato humorístico, pela forma como ele descreveu o chamado "jeitinho brasileiro".
Kellemen foi desmascarado primeiro. Criou uma suposta loteria privada, e, acusado de fraudes e estelionato, sumiu de cena com o dinheiro que pegou dos incautos.
Cabo Anselmo foi mais tarde, quando dedurou seus colegas para órgãos de tortura, no começo dos anos 1970.
Eles eram "melhores" do que o "aparelhismo ideológico" do ISEB e do CPC da UNE, que forneceram o embasamento histórico que, na música, foi perfeitamente representado por Chico Buarque.
Hoje a intelectualidade, só ela, diz que está cansada de MPB, não suporta mais ouvir Chico Buarque, os bossanovistas e os cepecistas que só eles ouviram até cansar.
Gente que o grande público até hoje mal conhece, senão por uma pequena dezena de sucessos lançados em trilhas de novela da Globo.
O intelectual está cansado de Chico Buarque e passou a detestar as músicas que adorou em outros tempos.
Mas o feirante, a empregada doméstica, o porteiro, o engraxate não conhecem metade do Chico Buarque que o intelectual não suporta mais ouvir.
E ele usa um discurso progressista para defender o que não é mais do que uma "cultura de massa" à brasileira.
Mistura o discurso politicamente correto com a retórica trash para, mirando os cardápios musicais das jabazeiras FMs oligárquicas, abraçar o "maior sucesso do povão" como se fosse a "salvação da cultura brasileira".
Algo feito para provocar. A mulher-fruta do momento, o "pagodão" pornográfico da hora, o "sertanejo" bebum da próxima semana, todo mundo é "genial" no "combate ao bom gosto".
Até que eles provem suas preferências eleitorais tucanas, seu favoritismo "global" (leia-se Rede Globo), sua alegre adesão à revista Veja, sua afeição aos barões da mídia, eles são tratados como se fossem "militantes bolivarianos".
É assim que, usando o jabaculê como utopia para uma suposta revolução cultural, como num dirigismo cultural stalinista, é que se afasta o povo dos debates públicos e as esquerdas se isolam.
Exalta-se o "funk", que, coitado, só quer derrubar o "aristocrático" Chico Buarque, e desvia-se o debate em torno dos problemas do país.
O povo pobre é iludido, achando que ativismo é rebolar num "baile funk", não lutar por reforma agrária, regulação da mídia ou preservação dos direitos trabalhistas.
Paternalista, o intelectual "bacana" quer tirar o povo pobre do debate, restringir a setores de classe média.
O povo que vá brincar de ser ativista com "baile funk", micaretas e vaquejadas.
Diante disso, as esquerdas, isoladas, têm seu debate enfraquecido.
E, defendendo a "ditabranda do mau gosto" do jabaculê musical que faz sucesso, abre espaço para a direita dar sua réplica reacionária, mas feita sob a pretensão de criticar a imbecilização cultural.
Desta forma, as esquerdas não perceberam, até agora, qual é o jogo dos funqueiros.
Eles vinculam seu discurso às esquerdas, para deixá-las no ridículo - qualquer glúteo rebolando é visto como "revolucionário" ou "provocador", feito "contra o bom gosto elitista" - e abrir caminho para a réplica reaça.
É isso que os reaças querem. O quanto Pedro Alexandre Sanches ajudou para fortalecer a retórica de Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade, Reinaldo Azevedo e companhia.
Alguém deveria averiguar se Sanches e Sérgio Moro, ambos maringaenses, foram amigos de infância.
Um, vestindo a camisa adversária para fazer gols contra que favorecem o antigo time. Outro, driblando leis para condenar apenas inimigos políticos.
Diante disso, o "funk" alicia os intelectuais de esquerda, que criam um discurso a favor que só serve para ser respondido de maneira "consistente" por reaças que habitualmente só escrevem coisas idiotas.
Desse modo, a plutocracia midiática adquire mais poder, e deu no que deu.
Não adianta os intelectuais "bacanas" escreverem "Fora Temer" no Twitter. Ou chamar Marcelo Calero de "sinistro da Cultura" ou "coveiro da cultura brasileira".
Foi defendendo o "mau gosto popular" que a intelectualidade "bacana" abriu caminho para Temer.
Afinal, foi definir o consumismo cultural, sobretudo musical, do brega-popularesco, como algo "libertário", quando no exterior ele é só consumismo, entretenimento, sem missões pretensamente vanguardistas.
Ninguém é preconceituoso quando se critica a "cultura de massa" lá fora. Se fosse assim, uma boa centena de renomados intelectuais teria ido para o limbo de tão criticadas.
Aqui é que o jabaculê cultural tem que ser aceito sob pena de ser considerado "preconceituoso".
Um discurso que cansou. E que já rendeu o papo-cabeça que cansou muito mais do que as defesas "aristocráticas" a Chico Buarque.
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