Uma coisa parece bastante estranha, mas se mantém com naturalidade.
O economista Delfim Netto, ex-ministro da ditadura militar, há muito tem uma coluna numa revista de esquerda, a Carta Capital.
E, por incrível que possa parecer, sua presença nunca incomodou.
Por que será que isso acontece?
É uma questão de contexto.
Na verdade, não há um Fla X Flu ideológico.
Devemos observar contextos e contextos.
É certo que Delfim Netto não virou um esquerdista, ele até andou mostrando algumas posturas de direita, é capitalista e coisa e tal.
Mas ele está lá na sua coluna, sem pretensões, sem levantar bandeira, analisando apenas fatos econômicos conforme sua especialidade.
Não é fácil verificar contextos de quem é esquerdista ou não na mídia.
Pode até ser que Delfim Netto soe como um contraponto de direita na Carta Capital, como Vladimir Safatle é um contraponto de esquerda na Folha de São Paulo.
Mas há também jornalistas vindos da mídia direitista que passaram para a mídia de esquerda com brilhantismo e competência.
Paulo Henrique Amorim, Luís Nassif, Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna, Paulo Moreira Leite, Tereza Cruvinel, Paulo e Kiko Nogueira, eles fazem boa parte dos melhores textos que existem na mídia esquerdista.
Até pouco tempo atrás, o já saudoso Eliakim Araújo também deu uma forcinha para a mídia progressista.
E surpreende a atuação, nos últimos anos, de Pepe Escobar, antes uma espécie de David Nasser pop, fazendo charlatanismo jornalístico, hoje investindo dignamente no jornalismo político, com ênfase nos assuntos internacionais.
Claro que nem todo mundo que cai na mídia de esquerda é esquerdista ou neutro.
Na Caros Amigos, há a coluna do funqueiro MC Leonardo, que se diz esquerdista mas às vezes cobra das esquerdas como se fosse um colunista de Veja. E ainda é apadrinhado por José Padilha, cineasta ligado ao Instituto Millenium.
E tem Pedro Alexandre Sanches, no Farofafá hospedado pelo Carta Capital, que se diz "esquerdista autêntico" pensando a MPB segundo as regras do livre-mercado.
Em nome do esquerdismo forçado, Sanches chegou a decair na qualidade dos seus textos, reduzidos a meros panfletos pseudo-modernistas, um tanto histéricos e maçantes.
Um esquerdismo estranho, que exalta cantores "populares" da Rede Globo e esculhamba Chico Buarque de Hollanda, sempre elegante e solidário com os esquerdistas.
Mas Sanches fala mal da Rede Globo e bajula Lula e Dilma, a ponto de tendenciosamente escrever artigos citando o nome todo da presidenta afastada: Dilma Vana Rousseff.
Ele passou dos limites com o texto "Um Peixe Chamado Lochte", um mero amontoado de trocadilhos raivosos e confusos manifesto em um panfleto jornalístico sem pé nem cabeça.
Será que o "filho da Folha" gostaria de ser referido como Pedro Yoani Sanches ou Pedro Alexandre Moro, para não dizer Pedro Fukuyama Sanches, o jornalista que quer sepultar a Música Popular Brasileira?
Apesar de dar sempre a impressão de "bom esquerdismo", fazendo o dever de aula de citar heróis e vilões de seu simulacro de jornalismo de esquerda, Sanches não tem a visceralidade que os autênticos jornalistas de esquerda possuem.
Pelo contrário: em muitos casos, ele parece piegas e vazio, quando escreveu um texto vagamente sobre um mero abraço de Lula e Dilma Rousseff.
Nem parece um jornalista.
Quando trata de assuntos políticos, Sanches chega a ser tolo na sua preocupação em citar ícones do esquerdismo brasileiro como se fosse um aluninho de escola pública numa aula de História dada por um professor de esquerda.
Se Sanches assumisse que prefere livre-mercado, defendendo Adam Smith e a mão invisível do mercado da "música transbrasileira" e dizer, à maneira de Francis Fukuyama, que a MPB acabou, que o negócio agora é "funk", brega, tecnobrega, "sertanejo" etc, seria mais sincero.
O que queima em alguém que é pretensioso é sua obsessão em ser aquilo que não é, na busca desesperada de alguma vantagem, na ilusão de achar que pode sempre ficar na vanguarda de qualquer coisa.
O perigo é que pessoas podem enlouquecer pela mania de quererem passar para os outros aquilo que o oposto do que são. Às vezes acabam crendo até no seu próprio fingimento. Como disse Renato Russo: "mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira".
Por isso Delfim Netto está lá, sossegado na sua coluna de Carta Capital.
Ele participou da reunião que decidiu o tenebroso AI-5.
Foi o artífice do "milagre brasileiro" da Era Médici.
Recentemente, manifestou-se a favor do impeachment de Dilma Rousseff.
E ainda admitiu ter recebido dinheiro de empreiteira para "favores pessoais".
Mas o bom de Delfim Netto é que ele não levanta bandeira alguma, não faz bonapartismo jornalístico travestido de bolivarianismo. Não é um neoliberal fantasiado de tropicalista-modernista-guevariano.
Delfim Netto é apenas Delfim Netto. Com seu próprio estilo de pensamento, na sua coluna de Carta Capital. E, por mais que pudéssemos discordar de sua figura, ele faz muito bem.
Comentários
Postar um comentário