Para a intelectualidade que defende o que chamam de "cultura transbrasileira", "popular demais", "supremacia do mau gosto popular" e outros mitos, o pobre é visto de forma realista. Certo?
Errado. Devemos deixar de ler às pressas os artigos dos intelectuais "bacanas" e questioná-los sem maniqueísmos fáceis.
Se os intelectuais "bacanas" despejam seus pontos de vista na imprensa de esquerda, não é porque se é esquerdista que vai aceitar tudo isso.
Os farofa-feiros, por exemplo, são uma ilha de "revista Veja" mais politicamente correta inserida no grande arquipélago da Carta Capital.
Pedro Alexandre Sanches, Eduardo Nunomura e companhia promovem o desmonte da MPB, para que assim a "república das bananas" de Michel Temer tenha uma trilha-sonora à altura.
Desconta-se o Jotabê Medeiros, que, como um Roberto Pompeu de Toledo do Farofafá, ainda prefere o jornalismo do que o panfletarismo dos colegas.
Evocam a vanguarda da MPB, de Elza Soares a Sérgio Ricardo, de Inezita Barroso a Itamar Assumpção, para corroborar a Disneylândia que os farofa-feiros querem transformar a cultura musical brasileira.
Algo como chamar o PSOL para apoiar o PSDB no processo de privatização de empresas públicas.
Isolar a vanguarda da MPB da influência do suposto "coronel da Fazenda Modelo", Chico Buarque de Hollanda.
Se bem que, para isolar Lula, os tucanos se contentaram com a adesão do PV e do PSB, ou de setores do PDT.
É bom ser neoliberal, acreditar nos valores do "livre mercado", na "livre colonização" dos valores de fora, quando se atua no âmbito da cultura.
Dá até para fingir esquerdismo sincero, se a teoria do "livre mercado" musical, dessa ALCA pós-tropicalista e pró-brega falar em "pobreza", que os leitores apressados identificam como uma palavra solta com efeitos tranquilizadores.
Afinal, a intelectualidade que só conhece as favelas, roças e sertões pelos documentários da BBC de Londres e vive em seus confortáveis apartamentos nas grandes cidades, tem um objetivo para essa abordagem paternalista.
Dar a falsa impressão de que são muito solidários com as populações pobres.
O que esses intelectuais "bacanas" defendem, todavia, não é a cultura popular orgânica que vem das áreas rurais e suburbanas brasileiras.
O que eles defendem é uma deturpação glamourizada, espetacularizada, de uma pobreza que, já na abordagem intelectual paternalista, tenta positivar até o lixo que se acumula nestas ruas.
Para eles, o pobre é um tolo "simpático", um ingênuo "admirável", visto como "incapaz" de ter uma cultura própria, como antes, nos tempos dos Jackson, Marinês, Cartola etc, ou das Elzas e Martinhos de um passado menos remoto e ainda presentes entre nós.
Tudo é "lindo" para esses intelectuais que pensam ser "mais povo" do que o povo.
É "lindo" uma família pobre viver em barracos precariamente construídos e vulneráveis.
É "lindo" o jovem pobre vender produtos contrabandeados ou velhos como camelô.
É "lindo" a moça pobre vender seu corpo, na prostituição, para o recreio sexual de machões mais abastados e agressivos.
É "lindo" o proletário aposentado terminar seus dias tendo a embriaguez no bar como uma de suas poucas diversões.
Para o intelectual "bacana" o pobre "tem vontade própria": é a da mídia do entretenimento "popular".
O pobre também tem "sua cultura": é aquela decidida de cima, das TVs e rádios "populares", controladas por ricas oligarquias nacionais e regionais.
E o pobre tem seus "sonhos": ir para a Disneylândia, comprar um carro importado, fazer uma festa milionária, comprar uma mansão, ir para Nova York ver seus ídolos "populares demais" no Brazilian Day da Rede Globo.
Para o intelectual "bacana", o pobre só obtém cidadania quando é tutelado por um antropólogo ou jornalista cultural solidário.
Que, como num conto de fadas, quer transformar os cantores-mercadorias da Rede Globo num faz-de-conta-que-são-MPB às custas de repertório alheio ou da cosmética de outros arranjadores musicais.
E qualidade de vida, para o pobre, não é um projeto pessoal, mas um "ensinamento" de intelectuais burgueses que pensam entender de povo pobre.
Os intelectuais "bacanas" aprenderam jargões como "periferia" e "transbrasileiro" da Teoria da Dependência de Fernando Henrique Cardoso, o "príncipe" tucano que a intelligentzia finge odiar.
Mas ideias falam mais do que mil posturas que as tentem desmentir.
A intelectualidade "bacana" só gosta do pobre espetacularizado pela grande mídia.
Um pobre caricatural e obediente ao mercado do entretenimento, um consumista do "mau gosto" empurrado pelos barões da mídia.
Com o povo pobre rebolando, o intelectual "bacana" até se solidariza com a pobreza e faz panfletos "jornalísticos" ou "monográficos" exaltando os pobres com um discurso mais passional do que realista.
Mas se o povo pobre deixar o rebolado para lutar por melhorias de vida, o intelectual "bacana" reage com o mesmo horror elitista que diz reprovar.
E pensar que o "coronel da Fazenda Modelo" respeita melhor os pobres do que qualquer intelectual "bacana" metido a "amigo dos pobres".
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