O Brasil reconstitui ou remodela fenômenos antigos como se fosse alterar o formato das velhas massas de modelar.
Em 1963-1964, tivemos a glamourização do subdesenvolvimento por parte de alguns intelectuais cepecistas, que achavam que o sertão nordestino e a favela eram os paradigmas ideais do Brasil.
Até pouco tempo atrás, entre 2003 e 2016, tivemos a intelectualidade "bacana", árdua defensora da bregalização cultural, que acreditava que a precarização da cultura popular era o melhor caminho para a "revolução brasileira".
A classe média intelectual de Ipanema fascinada com o sertão cinemanovista de 1964. A classe média intelectual dos Jardins de 2003, fascinada com a bregalização dos puteiros e botecos do interior, ou do rebolado funqueiro dos morros cariocas.
Em 1964 havia a raiva reacionária do Comando de Caça aos Comunistas, em 2016 a "revolta" do Movimento Brasil Livre e similares.
Em 1963-1964, a suposta rebelião das baixas patentes militares com um Cabo Anselmo, depois revelado agente da CIA, se valendo pelo aparente vitimismo do discurso dos pracinhas revoltosos.
Em 2003-2016, era a suposta rebelião do "funk", com a APAFUNK fazendo o Cabo Anselmo da vez, explorando o aparente vitimismo das periferias funqueiras sob o patrocínio de instituições ligadas à CIA como Fundação Ford e Soros Open Society (do magnata George Soros).
Tínhamos a dupla IPES-IBAD como supostos institutos que davam uma roupagem "intelectual" ao reacionarismo ideológico da direita anti-trabalhismo. Hoje o Instituto Millenium cumpre esse papel.
Na ciranda dos fatos revisitados, temos um governo Michel Temer que combina, pelo menos, três momentos.
Um é a suposta legalidade dos primeiros momentos do governo do general Humberto Castelo Branco.
Outro é a preocupação com maior austeridade política como na articulação para o "golpe dentro do golpe" do Ato Institucional Número Cinco, o AI-5.
O terceiro elemento é a convulsão social do período do governo do general Ernesto Geisel até o fim da ditadura militar, agravada pela crise econômica descontrolada.
Temos esses três elementos do governo Temer, como se fosse uma síntese desses três momentos da ditadura militar: ascensão, auge e queda.
Como se fosse uma remixagem que juntasse tudo isso numa só peça musical.
Temos a repressão aos estudantes, a "caça às bruxas" do ministro José Mendonça Filho querendo identificar quem está ocupando as escolas, e o pacote "anticorrupção" que pretende eliminar o habeas corpus e a presunção de inocência na forma prevista pela Constituição.
Lembra o AI-5, que revogou o habeas corpus e transformou os brasileiros em culpados em potencial.
Temos a recessão sem controle que só mesmo sendo muito ingênuo para acreditar que se encerrará com o estrangulamento econômico da PEC do Teto, que irá restringir os gastos públicos.
Mas, apesar disso, a própria "disposição" de Temer e seus consortes de "fazer alguma coisa" lembra o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento do governo castelista.
Tínhamos a dupla de ministros, Roberto Campos, do Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda.
Hoje Henrique Meirelles é o ministro da Fazenda, o "herói solitário" da Economia, mas discípulo de Roberto Campos e sua política de arrocho (arrocha?) econômico.
É curioso que, enquanto a equipe econômica do temeroso governo viva no alvorecer dos primórdios do castelismo, a realidade econômica brasileira mais pareça próxima do colapso de 1984-1985.
Fatos se costuram e se descosturam como se fosse apenas o movimento das peças de um jogo, como se as peças fossem as mesmas ou, em parte, diferentes, mas parecidas com as peças existentes.
Isso numa sociedade em que os jovens de 25 anos em média parecem "descobrir" os anos 1970, repetindo o visual hippie e black power como se tivessem viajado pela máquina do tempo até a virada dos anos 1960-1970.
Isso se deu depois que a geração 1978-1983 cedeu à antiga resistência em conhecer referenciais além da indigência mainstream do entretenimento venal dos anos 1990 e do pior (e mais tolo) dos anos 1980.
E aí temos mais uma combinação de peças.
O IPES-IBAD tem seu equivalente contemporâneo, o Instituito Millenium.
Mas também tem seu modus operandi em duas iniciativas mais recentes.
A primeira é o simulacro de seminários com o tal "Congresso do Movimento Brasil Livre", que está na sua segunda edição.
O "importante" evento contou com convidados como o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, o escritor Guilherme Fiúza, Reinaldo Azevedo, o humorista Cláudio Manoel, do Casseta & Planeta e o já citado José Mendonça Filho.
Teve também o prefeito eleito paulistano, João Dória Jr., a neurótica jurista Janaína Paschoal, o humorista Danilo Gentili e até um obscuro xará do ator Alexandre Borges.
O Congresso do MBL tenta dar um discurso "moderno" ao projeto retrógrado do Brasil temeroso.
Há uma roupagem intelectual que lembra os antigos seminários do IPES, então sobrevivendo depois do "naufrágio" do IBAD, derrubado no final de 1963 por uma CPI que acusou investimentos ilegais de capital estrangeiro.
A frequência foi baixa, a taxa de inscrição de R$ 100, obviamente, não correspondeu à expectativa, a não ser que o interessado queira ouvir as pós-verdades anti-petistas de sempre.
Pós-verdade (post-truth) foi um termo da moda, considerado "verbete do ano" pelo dicionário Oxford, significa a prevalência de ideias e visões de apelo emocional, como influência na opinião pública, sobre fatos concretos e análises objetivas.
Uma das "pérolas" do Congresso do MBL foi Guilherme Fiúza, aquele que acusou o New York Times de ser patrocinado pelo PT (pausa para risadas), pedindo mais violência na repressão policial contra os estudantes, no processo de desocupação das escolas.
O MBL também dá uma forcinha e até aproveita para praticar esporte, no caso o MMA.
Sem a virulência do "jovial" congresso, temos o Conselhão do governo Michel Temer.
Conselhão é o apelido dado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Uma grande hipocrisia.
Afinal, o governo Temer ordenou o fim do Conselho Curador da EBC, Empresa Brasileira de Comunicação, que era formado pelos vários segmentos ligados às classes populares.
A extinção do Conselho Curador, executada pelo Judiciário, abriu caminho para Laerte Rimoli assumir de vez a presidência da instituição, reduzindo a EBC a um "satélite" das Organizações Globo.
Temer criou o Conselhão para "discutir" formas de desenvolvimento do país.
O Conselhão tem 96 membros, nos quais se destacam tecnocratas de direita ou empresários, como Paulo Skaf, Jaime Lerner, o "educador" João Carlos di Gênio, Guilherme Afif Domingos, Jorge Gerdau Johannpeter e o Joel Malucelli.
Skaf, "industrial" sem indústria, patrocinou as passeatas anti-PT que abriram caminho para o Brasil temeroso de hoje.
"Filhote" da ditadura militar, Lerner impôs os ônibus padronizados que escondem empresas de ônibus da população devido a uma pintura única que só serve para favorecer a corrupção no setor.
Di Gênio é um dos "papas" da educação privada de São Paulo, dono do Colégio Objetivo e da Universidade Paulista. É um dos protegidos do PSDB paulista.
Afif Domingos foi candidato à presidência da República em 1989 e dono do SEBRAE, espécie de "santo casamenteiro" dos homens, já que, na sociedade venal de hoje, o homem que quiser ter uma mulher com afinidade pessoal, tem que montar empresa. Senão, que se contente com as siliconadas.
Jorge Gerdau Johannpeter é dono do grupo Gerdau, que patrocina o Instituto Millenium.
Curiosidade: Jorge foi marido da socialite Narcisa Tamborindeguy que, depois, foi namorada de Guilherme Fiúza, membro-fundador do Instituto Millenium.
Joel Malucelli desmontou uma importante rádio de rock curitibana, a Estação Primeira, chamando um dirigente esportivo para administrar a atual CBN Curitiba.
Já outros plutocratas: Benjamin Steinbruch, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Germano Rigotto, João Carlos Marchezan, Jorge Paulo Lemann, Paulo Setúbal e o célebre empresário Abílio Diniz.
Além dessa "nata" da plutocracia brasileira, temos famosos como Roberto Justus, Rai e o grande ator Milton Gonçalves, infelizmente seguindo o caminho à direita de Arnaldo Jabor e companhia.
E tem a irmã de Ayrton Senna, Viviane Senna.
E tem o publicitário Nizan Guanaes, que havia trabalhado para Fernando Henrique Cardoso, que lançou uma "pérola" sobre a impopularidade de Temer e as medidas amargas, que vale postagem à parte.
Fora isso, temos o apoio informal do jovem ator Klebber Toledo que já se reuniu com Michel Temer para pedir medidas "em favor da cultura brasileira".
Temos então o Conselhão do governo Michel Temer e o "conselhinho", o MBL, que assumiu o compromisso de "esclarecer" a PEC do Teto (ex-PEC 241 e, por ora, PEC 55).
Os "ativistas de kimta katiguria" tentarão explicar as vantagens do estrangulamento de recursos como medida necessária para o crescimento econômico.
É como se quisessem provar que o enforcamento é a melhor maneira de alguém melhorar a respiração.
Sabemos que isso não é verdade.
Mas, no Brasil plutocrático, paraíso da pós-verdade, o que importa a verdade, se as mentiras que agradam podem, enfim, monopolizar e controlar a realidade?
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