O maior erro das esquerdas foi encarar a cultura sob uma visão financista.
Deixou-se cair no canto da sereia de intelectuais "bacanas" que, vindos dos porões do PSDB, queriam empurrar o jabaculê midiático do "popular demais" como se fosse o folclore do futuro.
Falavam em "provocatividade", "cultura transbrasileira" e o papo surrado do "combate ao preconceito" e da "expressão das periferias".
"Transbrasileira" e "periferia" são jargões que dizem muito da influência de Fernando Henrique Cardoso e sua Teoria da Dependência.
Apesar da herança, a intelectualidade "bacana" ainda se recusa a desembarcar da carona tendenciosa com o esquerdismo.
Se ela tivesse autocrítica e revisse seus valores e práticas, tudo bem. Temos jornalistas vindos da Globo e da Veja que se mostram bons representantes da mídia de esquerda.
Mas isso não acontece e os intelectuais "bacanas" só botaram sua defesa à bregalização cultural debaixo do tapete e foram mudar de assunto.
Deixaram de defender o brega-popularesco quando era tarde demais.
Até porque, a essas alturas, seus "heróis" aparecem livres, leves e soltos na mídia venal.
A intelectualidade "bacana", escoltada por um exército de midiotas, fez todo o possível para as esquerdas engolirem Zezé di Camargo & Luciano, que quando votaram em Lula esconderam que também votaram em Ronaldo Caiado.
Os Dois Filhos de Francisco era co-produção da Rede Globo mas a dupla era empurrada para as esquerdas com persistência tal que muitos pensavam que a dupla goiana fazia um projeto cultural guevariano.
Enquanto isso, no Orkut, midiotas faziam "patrulha" para humilhar quem fizesse alguma crítica a Zezé di Camargo & Luciano.
De nada disso adiantou. Esperava-se que, com o filme, Zezé di Camargo tivesse a reputação de um Tom Jobim, mas ultimamente ele repercute mais como subcelebridade causando polêmica nas mídias sociais.
Sim. Zezé di Camargo escandaliza os mesmos internautas que eram capazes de rastrear perfis de quem falasse mal da dupla goiana.
E quando se esperava dos irmãos goianos uma dupla de guevarianos promovendo "reforma agrária na MPB", eles surtaram e foram apoiar a campanha de Aécio Neves em 2014.
E aí tivemos também funqueiros, "sertanejos universitários", forrozeiros-bregas e "pagodeiros românticos" marcando presença na mídia venal e tucana.
Outro suposto "guevariano", MC Guimê que chocou a "bacanada" ao virar capa de Veja, hoje apareceu até em Caras.
Sim, Caras. A revista que a intelectualidade "bacana" erroneamente quis definir como um mausoléu da Bossa Nova.
E aí o "combate ao preconceito" escondeu um preconceito muito maior e gravíssimo: a incompreensão de que o "popular demais" da música brega-popularesca nunca passou de um pop comercial à brasileira.
As pessoas "perdiam o preconceito" com o brega-popularesco mas com a cultura de verdade sentiam preconceitos cada vez mais cruéis e furiosos.
Fui sugerir Turíbio Santos, um músico discípulo de Villa-Lobos, para a comunidade do Orkut dedicada à cidade de Florianópolis, minha terra natal, e os midiotas o ridicularizaram, preferindo o "funk".
A intelectualidade "bacana" agiu em maioria com má-fé, mas criou efeitos aparentemente imprevistos.
Com sua "cultura transbrasileira", que no âmbito comportamental falava das "maravilhas da vida de pobre", no subemprego, na prostituição e no alcoolismo, preconceituosamente aceitas "sem preconceito", fizeram o povo pobre se despolitizar, tornando-se isca da bancada BBB.
Queriam promover ídolos "provocativos", "siliconadas empoderadas" e abriram caminho para as passeatas raivosas anti-PT.
O Brasil brega que não era cachorro, não, preferiu ser o pato. Não o da Bossa Nova, mas o da FIESP.
O "feminismo" das funqueiras escondeu a vida real de um "funk" cruel e irremediavelmente machista.
O "realismo sensacional" da mídia policialesca resultou no moralismo preconceituoso dos Datenas da vida e do mau gosto dos Meia Hora e seu grotesco que tirava sarro do povo pobre.
O livro Eu Não Sou Cachorro Não deu no Movimento Brasil Livre, com Kim Kataguiri com penteado de ídolo brega do fim dos anos 1960. O documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda abriu caminho para as Ju Isen siliconadas pedindo a expulsão de Dilma Rousseff.
A suposta "libertação" da bregalização sugeriu uma primavera pós-tropicalista, mas gerou um inverno "coxinha" dos mais tenebrosos.
A própria intelectualidade "bacana" quis parecer legal para as esquerdas em geral, mas tudo o que ela fez foi abrir caminho para a urubologia, os calunistas e os "revoltados" da Internet.
Imaginou-se que a bregalização cultural iria trazer a democracia cultural plena, mas criou uma erosão cultural que deixou as esquerdas decepcionadas.
O povo foi brincar no "funk", no tecnobrega, no "sertanejo", "saiu do chão" na axé-music e "desceu até o chão" no "pancadão".
Com isso, a plutocracia que patrocinava, na surdina, a breguice toda, ganhou tempo para formar um "ativismo" no vácuo do ativismo popular empastelado pelos "provocativos transbrasileiros populares demais".
As esquerdas acharam que era só injetar muito dinheiro para transformar um Wesley Safadão num João Gilberto.
Viam a cultura popular, sobretudo musical, com uma mentalidade financista. Menos Mário de Andrade, mais Mário Henrique Simonsen.
Resultado: a festa dos "bacanas" que queria transformar o esquerdismo num gigantesco "baile funk" gerou uma ressaca triste daqueles que eram induzidos a odiar Chico Buarque.
O dito "coronel da Fazenda Modelo" sempre foi leal às esquerdas. Já os funqueiros, depois daquele fingimento "pró-Dilma" no 17 de Abril, viraram as costas e foram comemorar a vitória junto aos barões da mídia venal.
E aguardam pela oficialização do Dia do Funk proposta por um político do PMDB carioca que atuou no "Aezão", a chapa Aécio Neves / Pezão na campanha de 2014.
Agora as esquerdas repensam o erro de terem visto a cultura apenas como um processo qualquer nota de "cultivo de valores", acreditando que a mediocridade era apenas uma etapa no caminho da genialidade.
Sem querer, viam a cultura com os mesmos filtros ideológicos da mídia venal.
Agora, diante das consequências, terão que repensar a cultura sem esses filtros.
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