Que o Brasil é um país machista, isso é evidente.
Mas há um dado muito pouco falado desse machismo, que é a tentativa, bastante sutil, da mídia venal em desenvolver uma imagem depreciativa da mulher solteira.
Poucas páginas na Internet falam nisso, pouquíssimas. Mas o assunto deveria ser levado em conta.
Principalmente por causa de um estranho pacto do machismo com o mainstream do aparente feminismo que consegue se projetar na mídia.
Algumas páginas falam desse pacto. E descrevem esse estranho acordo do machismo com a mulher que deseja alguma emancipação.
É um feminismo que sempre é feito pela metade.
Se a mulher é obediente aos valores machistas, ela está dispensada de arrumar um homem, podendo ficar solteira à vontade.
Se a mulher, no entanto, quer escapar das obrigações do ideário machista, ela precisa estar vinculada, amorosamente, a um marido, geralmente poderoso. Um empresário ou profissional liberal, geralmente.
No primeiro caso, existem duas variações.
Se a mulher é, no âmbito popularesco, considerada "desejável", a missão dela é fazer o papel de objeto sexual, se oferecer como mercadoria para o recreio dos machistas carentes.
Se a mulher não apresenta tais "atrativos", pode fazer o estereótipo da "maria-coitada", da submissa fã de estilos como "pagode romântico", o repertório de Sullivan & Massadas e o pior de Roberto Carlos.
A "maria-coitada" é a antiga "escrava do lar" que simbolicamente foi "abandonada" pelo marido.
É o antigo estereótipo da mulher resignada, submissa, infantilizada e que adora brincar com crianças, mas que, desta vez, em vez de casada, vira uma solteirona irremediável. Tanto que o único "grande amor" da vida dela costuma ser geralmente seu afilhado que nem chegou à adolescência.
Mas o caso mais típico é a da mulher-objeto, que tem apelo ao grande público.
Até os midiotas e fascistas mirins as cortejam, embora prefiram olhá-las de longe e, feito amigos da onça, recomendá-las aos nerds (da linha Vingança dos Nerds).
Se os nerds dizem não a essas mulheres-objetos, os fascistas mirins os chamam de gays e os colocam na arena dos leões das vítimas de homofobia.
Vendo tais mulheres, elas têm os corpos siliconados e tatuagens desnecessárias e exageradas.
Com tanto silicone e plásticas, sobretudo botox, essas mulheres parecem bonecas infláveis.
Mostram demais seus corpos, embora escondam seus umbigos com piercing.
Algumas, mais "ambiciosas" e arrogantes, se autoproclamam "feministas", mas isso é estranho.
Afinal, é a briga entre a mulher-objeto e a escrava-do-lar que, a título de machismo, é o conflito entre seis e meia-dúzia.
Compare uma entrevista entre essas solteiras e as famosas casadas.
As "musas populares" que se tornam as mulheres-objetos falam sobre sexo, acham que seu erotismo é "atitude", e se irritam quando alguém lhes sugere a companhia de um homem.
Elas acham que seus glúteos e peitos siliconados são uma "arma" contra o machismo, o que é uma grande hipocrisia.
Até porque apenas demonstram misandria, e não auto-afirmação feminina. E desempenham papéis condicionados pelo próprio machismo que dizem "combater".
A famosa casada fala de tudo, e até a sensualidade é contextualizada. Diversifica assuntos e algumas delas podem até falar algumas bobagens, mas não se limitam à sensualidade compulsória.
Já a solteira "popular" só fala de sexo, sensualidade, corpo e relação com os homens. Refrões como "os homens tem medo de mim" e "quero um homem que me valorize como sou" são repetitivamente ditos.
Há até a desculpa da "liberdade do corpo" e do "direito à sensualidade", que seguem a mesma direção ideológica da "liberdade de imprensa" e "direito à expressão" dos calunistas da mídia venal.
E ainda esnobam quando aparecem de vez em quando com roupas "comportadas", num inverso de contexto das mulheres normais, que geralmente ficam comportadas e só se sensualizam conforme a necessidade da situação.
A mídia venal adora transformar o mercado das solteiras num circo de siliconadas que mostram o corpo como se fossem mercadoria em liquidação de loja.
Num contexto mais light, a solteira, não sendo a exibicionista corporal, é uma maníaca por festas noturnas.
Neste caso, ela fala de relações amorosas que se dissolvem com muita facilidade, mas dentro daquele padrão ideológico da curtição, da noitada, da praia, dos selfies no Instagram, das "filosofias" de frases curtas etc.
As ex-BBBs se enquadram nesse contexto, levando a curtição como um fim em si mesmo, sem terem o que dizer de relevante.
Enquanto na vida real há solteiras de todo tipo, na pregação midiática, há uma pressão para que, entre as solteiras, prevaleçam as que mais se inclinam para coisas fúteis, como sexo e noitadas.
Isso é muito ruim e é bastante depreciativo. Algo que nem aparentes alegações de "prazer à vida" podem justificar.
Porque a ideia não é a mulher ser sexy ou ir a uma casa noturna se divertir, mas levar isso como um único ideal de vida e como sua meta máxima, um meio de afirmação pessoal.
Isso se torna ruim porque, no Primeiro Mundo, estimula-se que as mulheres aproveitem a solteirice para ler livros, ouvir música de verdade, e, entre uma casa noturna e uma praia, frequentar também bibliotecas, salões de arte e outros ambientes.
Lá fora, a mulher solteira tem tanta liberdade para usar roupas mais sensuais do que roupas mais discretas.
Aqui, ela só tem a "liberdade" de usar roupas sensuais, levando à paródia e ao estereótipo o pretexto de "liberdade corporal".
A mulher que "mostra demais" achando que é "dona de seu nariz" não percebe que ela está seguindo o papel previamente determinado por executivos de TV e diretores de jornais, revistas e portais de famosos na Internet.
Esse é um machismo fantasiado de feminismo, que ofende as mulheres solteiras da vida real sob todos os aspectos.
As siliconadas desqualificam, numa só tacada, negras, gordinhas e mulheres fora do padrão estético dominante e que são faxineiras, empregadas domésticas, professoras, costureiras, cozinheiras.
É um preconceito social às avessas, pois muitas das trabalhadoras possuem seios e glúteos maiores, e são humilhadas quando eles são associados ao erotismo mais fútil.
Portanto, as mulheres que "mostram demais" e que são "mulheres-frutas", "musas do Brasileirão", "musas do UFC", "peladonas", "proibidas", "liberadas" e "preparadas" estão a serviço do machismo que dizem que "combatem".
E, pior: ridicularizam trabalhadoras, mulheres fora do padrão estético dominante e, principalmente, as solteiras.
Expõem uma ideia falsa de que mulher solteira no Brasil é uma vagabunda que só quer saber de sensualidade e curtição.
E, pelo apelo "popular", o endereço certo é promover o "controle de natalidade" empurrando as moças pobres ao celibato por conveniência.
Uma higienização social aos poucos, com as "musas populares" servindo de modelo de "afirmação feminina" nas chamadas "periferias".
E que também estabelece o ódio entre homens e mulheres que, da "guerra fria" das "boazudas" com o mundo masculino, hostilizando ex-namorados e ex-maridos, se reflete, nas favelas, roças e sertões, nos feminicídios que ocorrem nesses lugares.
Portanto, quando aparece, na mídia "popular", mas não menos venal que a mídia venal propriamente dita (até porque, em muitos casos, os veículos são dos mesmos donos), uma mulher que se comporta como objeto sexual, isso não é feminismo.
É machismo, racismo, elitismo. E também uma grave ofensa à mulher solteira e seu desejo de se emancipar.
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